segunda-feira, 16 de janeiro de 2012


Salineiros de coração (XXVI) - O turismo e as comunidades locais05 Novembro 2011

O turismo na ilha do Sal aconteceu de uma forma natural e um pouco despercebido pelas autoridades local e nacionais. Quando se tomou a consciência do turismo e as suas consequências, ele já estava numa fase bastante avançada. Não houve o cuidado de (1) estudar o contexto social local antes da implantação do turismo, (2) identificar os impactos causados pela implantação do turismo, (3) regulamentar a observância da responsabilidade social de modo a beneficiar a população local que é quem mais sofre com o turismo.
Por: Evel Rocha

Salineiros de coração (XXVI) - O turismo e as comunidades locais
O Turismo Sustentável tem de ser ética e socialmente equitativo para as comunidades locais. As comunidades do destino turístico vêem crescer o turismo e novas infra-estruturas que se emergem enquanto a qualidade de vida das mesmas vai deteriorando-se, criando rupturas ambientais e sociais.
A responsabilidade social não só aumenta a auto-estima dos trabalhadores e os locais como também cria um clima de confiança e melhores resultados para a própria empresa: “a reputação de uma empresa e o valor de suas acções no mercado andam juntos” (CECATO, 2000 apud MELO NETO E FROES, 2001).
Embora a responsabilidade social seja um acto voluntário, há a necessidade de pressionar os operadores turísticos a cumprirem o dever moral e ético de compensar os locais pelos transtornos causados através da indústria turística. Lembremos que as praias, o mar e todo o ambiente envolvente, antes de ser um produto turístico, é pertença do nativo. Para evitar a hipocrisia e aproveitamento de certos filantrópicos oportunistas sugiro que haja regulamentação, aplicação e fiscalização dos actos das empresas de modo a evitar falsas acções por parte dos operadores e o espírito assistencialista por parte da população.
Alguns subsídios para o planeamento do turismo sustentável: • Os investidores devem garantir emprego estável e oportunidades de ganhos e serviços sociais às comunidades de destino, de maneira a contribuir para uma melhor qualidade de vida. Infelizmente a linha de acção do desenvolvimento turístico não prevê a defesa dos interesses sociológicos, ambientais e culturais das populações mais desfavorecidas.
• As empresas estrangeiras que investem devem ser obrigadas a recrutar uma percentagem de quadros nacionais para a gestão das mesmas;
• O salário mínimo no sector turístico deve ser superior ao que se pratica noutros sectores, tendo em conta o nível de exigência e qualidade do serviço que se presta – uma boa parte das empresas turísticas reduz os postos de trabalho para aumentar os lucros, privando muitos chefes de família do trabalho estável e diminuindo a qualidade de vida.
Ainda vamos a tempo de salvaguardar a qualidade turística que pretendemos. De nada serve ter crescimento económico se não for acompanhado do desenvolvimento social; todo o licenciamento empresarial, em Cabo Verde, deveria ser acompanhado de obrigações que fizessem com que o investidor tenha de incluir no seu programa de desenvolvimento a responsabilidade social, optimizando recursos financeiros para o desenvolvimento local.
Não se pode afirmar que se pratica um turismo sustentável enquanto as populações continuarem a ser marginalizadas e os operadores turísticos insistirem em ignorar que o bom proveito económico acontece graças às excelentes condições naturais da ilha desses trabalhadores mal remunerados onde uma boa parte vive em condições sub-humanas.
Cabe ao Ministério da Cultura, ao Ministério que tutela o turismo e à Câmara Municipal, a uma só voz, criar alternativas, buscando parceiros e outras associações como o Atelier Mar com experiência acumulada em iniciativas de empreendimentos solidários para encontrar soluções de modo a tornar o turismo verdadeiramente sustentável.
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sexta-feira, 4 de novembro de 2011

SALINEIROS DE CORAÇÃO (XXV) – A TOLERÂNCIA POLÍTICA


François Jacob (1989) escreveu que todos os crimes da história são consequência de algum fanatismo. Todos os massacres foram cometidos por virtude, em nome da verdadeira religião, do nacionalismo legítimo, da política idónea, da ideologia justa; em suma, em nome do combate contra a verdade do outro. Infelizmente, algumas pessoas só se sentem bem na política depois de «eliminarem» o seu adversário. Por manifestar a minha preferência ideológica, corro o risco de perder a amizade de pessoas que me são caríssimas porque vivemos numa sociedade em que as pessoas são identificadas não pelas suas qualidades intrínsecas mas pela sua cor política. O bipolarismo político nestas ilhas chega a ser comparado às lutas tribais de algumas regiões do nosso continente – parece que temos dificuldades de conviver com as diferenças.
Por tolerância entende-se «aceitação, respeito e consideração pela diferença, ou seja, a habilidade e a disposição para admitir nos outros formas de pensar e de agir diferentes das nossas e das quais podemos discordar». Porém, a tolerância absoluta (niilismo) é sinónimo de ausência de convicção e de princípios morais.
A intolerância é uma ferida no rosto da humanidade. Alimentou as cruzadas que ceifaram vidas em nome da religião e, recentemente, o fundamentalismo islâmico vem semeando terror no mundo inteiro. No nosso caso, a intolerância política tem transformado algumas fileiras partidárias e associações em inimigos que visam a destruição um do outro. A intolerância nasce do medo e da ignorância. O exercício da tolerância só é possível por meio do conhecimento e passa pela consciência de que não somos donos da verdade.
 Nestes trinta e seis anos como país independente, o nosso grande erro é sem dúvida a intolerância. Dois exemplos evidentes de intolerância na nossa história: após a independência (1975), a ruptura radical com o passado relegou para segundo plano valores como a religião, respeito pelas diferenças e a liberdade de pensamento; após a abertura política (1991), a ruptura com o passado, a tentativa de eliminação política dos adversários, a confusão deliberada entre a liberdade e a libertinagem.
A tolerância não se conquista por decretos mas pela educação e comunicação, não com slogans e discursos mas através da acção como estilo de vida.
Se olharmos para dentro de nós mesmos, se atentarmos às limitações dos nossos dirigentes e do partido que defendemos, iremos encontrar razões suficientes para respeitar e ser mais tolerantes com aqueles que nos opõem.
Lidar com a diversidade, seja ela social, económica, racial ou religiosa não é fácil. Posso gostar deste ou aquele partido político, defender ideais que se identificam com a minha maneira de estar na vida mas nada deverá sobrepor aos valores como a liberdade e os direitos humanos. Pessoas que honram a Deus deveriam ter uma postura de compreensão e tolerância. A melhor forma de honrar a Deus é respeitar o outro como um ser dotado do livre-arbítrio.
A verdadeira tolerância está em se abrir aos outros, ter capacidade de conviver com a diferença, tentando enxergar aquilo que essa diferença tem de melhor e que possa contribuir para o bem comum de todos.
A Assembleia Nacional é o espelho da nação. Os discursos e a postura dos deputados reflectem o estado de ânimo do país real, mas, se tivermos políticos tolerantes teremos uma sociedade tolerante. Penso que a ilha do Sal poderá ser um exemplo disso. As grandes mudanças começam a nível local e no coração do individuo: a diversidade cultural e religiosa da nossa ilha são exemplos dessa mudança.

Evel Rocha




SALINEIROS DE CORAÇÃO (XXIV): QUE FUTURO PARA O AEROPORTO DO SAL?

Após uma aterragem com algum esforço na pista do aeroporto da Praia, andámos alguns metros até ao portão de chegada. Ao contrário do quadro desolador do Aeroporto Internacional Amílcar Cabral (AIAC), o aeroporto da capital estava sufocado pela presença de quatro ou cinco aviões de longo curso e o parque automóvel parecia um verdadeiro caos, arrebentando pelas costuras. O tempo de espera pela bagagem foi ocupado numa conversa com dois ilustres salineiros que não deixavam de demonstrar a sua frustrante constatação da inoperância e abandono do Aeroporto do Sal: “4.033 metros quadrados de pista mal aproveitados e à mercê dos gafanhotos do deserto”.
Evel Rocha

SALINEIROS DE CORAÇÃO (XXIV): QUE FUTURO PARA O AEROPORTO DO SAL?
A economia salense, nos últimos anos, foi duplamente castigada: primeiro, a crise internacional que fustigou a economia local sem qualquer medida preventiva e, segundo, a construção de mais três aeroportos internacionais que ajudaram a agudizar a triste situação socioeconómica.
O Aeroporto da Praia teve um crescimento exponencial de movimento de cargas, de passageiros, de aeronaves às custas do abrandamento do AIAC, relegando para o desemprego centenas de trabalhadores de serviços afins e taxistas.
Sem qualquer receio de ser acusado de bairrismo exacerbado, na minha modesta opinião, Cabo Verde não precisa de quatro aeroportos internacionais pela pequenez da nossa jovem nação e debilitada economia. Do meu ponto de vista, foi um erro estratégico que as gerações vindouras terão de pagar e prevejo que, num futuro não muito distante, o AIAC será chamado a ocupar o seu lugar porque é o aeroporto com todas as condições naturais e exigidas pela aeronáutica civil. O volume de investimento na construção dos três aeroportos poderia ter sido canalizado no melhoramento da performance do AIAC, alargar a frota marítima e aérea doméstica de modo a facilitar o escoamento dos passageiros para as outras ilhas.
Hoje, fala-se em transformar o aeroporto do Sal num “hub”, um centro de distribuição de voos, papel desempenhado no passado quando a ilha era o “entreposto” do Atlântico e o gateway do arquipélago. A pretensão de transformar o aeroporto num “hub” de transportes aéreos, plataforma para carga e passageiros e controlo de tráfego aéreo não se resolve apenas com financiamentos externos se não houver um investimento de fundo capaz de oferecer às companhias aéreas e aos passageiros algo diferente daquilo que podem encontrar em outras paragens. Durante as legislativas, falou-se no Sal como um pólo de atracção de eventos internacionais de modo a atrair mais turistas mas tudo não passa de sonhos distantes quando a presente realidade é de uma ilha que vive de um turismo desenfreado e não planeado. Há a necessidade de adequação das actuais infra-estruturas e uma maior atenção à população de baixo rendimento cada vez mais vulnerável, refém da crise e das políticas de desenvolvimento. Antes de qualquer investimento a nível de infra-estruturas, é necessário lembrar que as pessoas devem ser o centro e o fim da decisão política.
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SALINEIROS DE CORAÇÃO (XXIII) – DA DESILUSÃO À MATURIDADE POLÍTICA


Há dias, numa conversa com um amigo, este disse-me que a variante crioula da ilha do Sal - uma variante permanentemente em evolução devido às influências das outras ilhas – tenderá a ser o crioulo padrão do arquipélago. A Assembleia Municipal do Sal é um exemplo interessante: praticamente todas as ilhas de Cabo Verde estão lá representadas! Quando as discussões são mais calorosas, alguns deputados recorrem à língua mãe para se expressarem, transformando o salão nobre num «babel» crioulo.
Esta ilha, a cinderella crioula, destaca-se no panorama nacional por outras particularidades: dois terços da população salense é oriunda das outras ilhas; quase tudo o que se consome é importado; Sal é a principal porta de entrada e saída para o mundo e é a mais turística - uma ilha global.
Na esfera socioeconómica, a ilha vive um momento de desilusão. O empreendedorismo foi, desde sempre, a grande alavanca do desenvolvimento económico mas que, nos últimos anos se debate com uma enorme entrave que é a crise internacional. Os empreendedores, durante a crise, foram abandonados à sua sorte com a ausência de uma política de investimento público e a completa inoperância em termos estratégicos para salvaguardar o turismo imobiliário. Na vertente social, segue o risco do desemprego, salários em atraso, aperto financeiro e o desencanto.
Este momento de desilusão é precedido, aos poucos, pela fase de maturidade. Na vida política ela reflecte-se de uma forma extraordinária: a maturidade democrática não se traduz apenas no voto na urna mas na auto-responsabilização e numa maior cidadania. Na generalidade, o salineiro de coração deixa de se identificar com este ou aquele partido para se identificar com as necessidades prementes da sua ilha. As últimas eleições revelam um eleitorado mais consciente e ficou patente que a campanha eleitoral não se faz para eliminar adversários, mas para confrontar projectos, que a consciência do individuo não está à venda e que o poder não se conquista a todo o custo.
O voto tem de ser dotado de consciência política, isto é, da capacidade de se posicionar de maneira racional; os salenses estão a tomar consciência de que as eleições não podem e nem devem ser conduzidos na contramão da ética e da moral cristã. A suposta compra do voto não passa de um desprezo à dignidade humana por parte daqueles que apostam neste estilo de comportamento e merece toda a nossa indignação.
A fase de maturidade, embora lactente, demonstra um salense mais preocupado com as questões da cidadania, mais preocupado em vencer pelo seu próprio esforço, em acreditar mais em si próprio e exigir mais daqueles que pretendem governar o seu destino. Independentemente de quem governa, a ilha do Sal será sempre a nossa bandeira. Por ela debateremos e por ela nunca baixaremos os braços!
Evel Rocha

SALINEIROS DE CORAÇÃO (XXII) – AO NORTE DA ILHA

Já visitei lugares verdejantes, montanhas imponentes mas nenhum deles encerra o encanto do Monte Grande, ao norte da ilha do Sal. Terra pederneiras negras e acobreadas de origem vulcânica cuja cintura desdobra-se em duas emblemáticas colinas granulares que se projectam em direcção ao mar. Apesar dos escassos 406 metros de comprimento, o cone tem uma inclinação bastante acentuada, tornando íngreme a caminhada até ao cume.
Após a subida do monte sentimos mais perto do Criador. Galgar a encosta, sentir a brisa fresca do oceano e ver a beleza estonteante da Fiúra é uma experiência única.
Ao descer o monte que se projecta como uma admirável enseada pelo lado norte até à cintura, somos surpreendidos pelo recanto ao estilo de um anfiteatro que carinhosamente os caminhantes apelidaram de «Abraço Amigo». Pedro, Vatú, Djidjai, Paulo, João Carlos, Chiquinho, Cau e Marina sabem do que eu estou a falar! As raríssimas plantas endémicas entre as escórias vulcânicas sobrevivem da humidade e da brisa oceânica.
A algumas centenas de metro, vislumbramos as ruínas do farol de Fiúra, pensativo, à espera de uma mão amiga de um «bom samaritano» que o ajude a reerguer-se das cinzas. A construção do novo farol demonstra o desrespeito e a insensibilidade pela nossa história – urge resgatar o emblemático farol de Fiúra para iluminar a consciência daqueles que vêm retalhando a nossa história. A magia do norte é embalada pelo assobio harmonioso do pardal-de-terra no seu ritual de acasalamento singrando a atmosfera como um navio em pleno mar, reportando-nos aos tempos da nossa meninência.
A pequena baía de Calhetinha ainda guarda todo o seu encanto milenar e selvagem. As ondas, sob os efeitos dos recifes e da força do vento, parecem noivas em fuga! A minudência paisagística do norte da ilha ostenta uma riqueza geológica que precisa ser registada nos roteiros turísticos do Sal. À distância, as pequenas elevações formadas por minúsculas colunas prismáticas parecem muralhas e catedrais medievais. No norte, a aridez é uma riqueza inigualável porque a solidão transmite paz, tranquilidade e inspiração ao visitante.
Atrás do Monte Grande há muitas histórias por escrever: os vestígios de uma população que vivia da pesca da baleia, de tartarugas e peixes que eram salgados para serem exportados para as outras ilhas, a captura da lagosta, percebes e cracas – o mar de Fiúra afigura-se como o maior viveiro de crustáceos do arquipélago. Ainda estão lá os pardieiros de terra batida, as cercas altaneiras para animais de grande porte como vacas e burros, caminhos antigos, marcos históricos. Há indícios que barcos piratas ancoraram o desembarcadouro de Fiúra mas estes ficarão para os próximos capítulos.
Escrevam o que escreverem, o primeiro campo de concentração de Cabo Verde foi sem sombra de dúvidas a ilha do Sal, a ilha dos desterrados! – os vestígios do passado ao norte da ilha estão lá para provar isso.
Evel Rocha - Ildo0836@gmail.com - http://poemasdesal.blogspot.com/

segunda-feira, 27 de junho de 2011

SALINEIROS DE CORAÇÃO (XXI) – A RIBEIRA FUNDA DA MINHA INFÂNCIA

Será difícil descrever aos moradores de hoje o que era a Ribeira funda do passado. As fotografias e os filmes nos mostram as casas, algumas cobertas de colmo, as ruas de terra batida, crianças que se posam para serem fotografadas, mas não captam a verdadeira vivência, a relação afectiva e o círculo íntimo de solidariedade. Era uma ribeira sem água, era um mundo de trabalho, de paisagens despidas de verde. Das poucas acácias, destacavam-se as duas árvores frondosas da casa de nhô Zé da Graça onde refugiávamos do sol abrasador depois das partidas de futebol atrás de casa de nha Tuda. Um ambiente de cheiros a fumo da lenha, a palha para a alimária, o ruído dos moedores e do pilão, a algazarra das crianças descalças correndo atrás da bola de meia; a rapaziada contando as aventuras do grogue e toucinho; histórias de vida narradas na loja de nha Joana d`Gualdino e de TiBeto; fofocas da vizinhança sob os olhares desconfiados de quem passa com o barril de água. Havia pessoas de todas as ilhas, cada um com seus hábitos e costumes, contudo, vivíamos como uma grande família. Ali morava TiCarlos, o humilde carregador de barris, uma figura incontornável da história salineira, Beto de Shell, um eterno desportista e, também, Zé Cabral, activista cultural que deu nome ao anfiteatro de Espargos.
Ribeira Funda, nos seus traços de ruralidade, tinha o seu lado cultural e desportivo que ainda hoje se reflecte no clube de Oderf. Jovens talentosos na arte de desenhar como Mário Cabral, Zé Paulo, Nuca e Duarte de nha Marintuinha; na música, havia os «Voz Beach», um grupo musical de instrumentos exóticos com os tambores da bateria feitos de lata e forrados de plástico, guitarras de pau com linhas de pesca e clarinetes fabricados com tubos de electricidade e casas de aranha onde arrancavam melodiosas sonoridades. Dos «músicos», retenho o nome de Jorge de nhô Quim e Quim de Joana Tatana. Outros artistas engenhosos como Aníbal de nhô Gabriel, Nunune e Roberto faziam carros de arame que eram perfeitas obras de arte. No futebol, entre pequenos e graúdos, destacavam-se nomes de craques como Gutinha, Humberto, Djodjim, Gute e Djoi Rocha. Certamente que omiti alguns nomes por esquecimento mas creio que todos nós nos identificamos com a história da Ribeira Funda.
A nossa infância foi vivida em alta velocidade. De manhã, tínhamos pressa nos afazeres de casa ou que a sineta do Externato desse o seu último suspiro para nos «libertar» ao que mais gostávamos que era jogar: jogar «matas» no largo da Escola de Nhô Padre, jogar futebol nos vários campos que circundavam a Ribeira Funda, jogar Tchintchom ou uril na Pracinha de Quebrode, fazer acrobacias em qualquer monte de areia da vizinhança, jogar tacada… enfim, a nossa ribeira era um parque de diversão.
A recreação prolongava-se até à noite nas cantigas de roda à frente da loja de Chia, ou brincando de «mãos-ao-ar» à espera do grito dos adultos chamando-nos para a casa. Ainda havia tempo para ouvir uma história sobre bruxas e «canelinhas». Parafraseando a velha canção do Gilberto, «Ribeira Funda deu-me régua e compasso // e o meu caminho pelo mundo eu mesmo traço».
Hoje, cada um tem a sua vida. Alguns amigos de infância não passam de meros «desconhecidos». Não sei se nós nos afastámos uns dos outros ou se foi o tempo que nos afastou; crescemos e cada um percorreu o seu destino; alguns por razões profissionais, outros por razões políticas, mas creio que haverá sempre um ponto de encontro na nossa história: a pequena aldeia da Ribeira Funda!
Evel Rocha
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quarta-feira, 15 de junho de 2011

SALINEIROS DE CORAÇÃO (XX) – SERÁ O PROJECTO DO ENSINO SUPERIOR NO SAL UMA UTOPIA?

O Fórum Que Ensino superior Para o Sal foi marcado por dois momentos: primeiro, a declaração, nas entrelinhas, da ministra da Juventude que a população deverá preocupar-se mais com acções de «capacitação dos recursos humanos» num claro apelo à formação profissionalizante e, segundo, a apresentação dos resultados de um estudo onde o apresentador diz que em 311 inquiridos na ilha, apenas um se interessa por uma formação na área de turismo.
É legítimo a reivindicação da população. O sonho de qualquer estudante é ter um curso superior, o desejo de qualquer profissional é a sua auto-realização. Na visão de Maslow, cada indivíduo é munido da vocação inata à auto-realização (Maslow, 1970). Essa vocação, o topo da pirâmide, compreende o uso activo de todas as qualidades e habilidades, além do desenvolvimento e da aplicação plena da capacidade individual.
No espaço de pouco mais de um ano, foram realizados três fóruns e mais três palestras sobre o ensino superior e todos se convergiram ao mesmo resultado: a Ilha do Sal tem todas as condições para tal. Quanto ao estudo realizado pela Afrosondagem, a amostragem não é representativa da população tendo em conta a conveniência da mesma e o apresentador teve o cuidado de chamar a atenção para as limitações do trabalho que de modo nenhum deverá substituir a necessidade de um estudo de viabilidade com bases cientificas. As informações da RTC e os comentários nos sites online demonstram a ligeireza da comunicação social no tratamento deste estudo querendo de uma forma intencional legitimar os argumentos daqueles que acham que a ilha não tem condições para o ensino superior.


A Ilha vive um momento crucial na sua trajectória. O desenvolvimento deve ser medido, acima de tudo, do ponto de vista HUMANO e a presença do ensino superior representaria a alavanca capaz de marcar a diferença. A CRIAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR NO SAL NÃO IMPLICA NECESSARIAMENTE A PRESENÇA DE UMA UNIVERSIDADE. É mais fácil a implementação de pólos universitários ou de um instituto politécnico com um projecto de desenvolvimento académico e científico, investindo no conhecimento, na criação do saber, nas competências que qualificam a sociedade civil e na inovação, mas acima de tudo com uma visão direccionada ao empreendedorismo. A estratégia da sua implementação deverá ter em conta que é necessário oferecer à população estudantil um ensino diferenciado àquilo que o mercado nacional vem oferecendo, apostando num ensino especializado, rompendo com a ortodoxia existente, pensar em termos de cooperação com outras escolas superiores já existentes e com as necessidades do mercado local – tendo o turismo como o principal foco de estudo.



A iniciativa dos salenses esteve sempre à frente das estratégias e da visão política dos sucessivos governos. Foi assim com a criação do liceu (antigo Externato), aconteceu com o aparecimento das indústrias salineira e turística e há de ser sempre assim enquanto continuarmos a registar a falta de visão, de estratégia e de vontade política. A última grande machadada no orgulho salense é sem dúvida a não construção da Escola de Hotelaria e Turismo. Tudo indica que brevemente teremos a primeira leva dos formandos no mercado de trabalho e nenhum deles pertence à ilha salineira. De certeza que estarão no Sal procurando o seu primeiro emprego.
Evel Rocha
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