terça-feira, 12 de abril de 2011

SALINEIROS DE CORAÇÃO (XV) – NHÔ IVO, UM CANTADOR À MODA ANTIGA


Conheci o senhor Ivo quando eu era criança nos famosos passeios escolares ao Algodoeiro. Ainda o pequeno vale, escondido atrás da árida planície de Fátima, guardava os resquícios dos anos de esplendor em que se despontava como o celeiro da ilha do Sal. Custa acreditar mas Algodoeiro já foi lugar de verdura, batata, mandioca, manga, hortaliças e sobretudo de tâmaras em cachos da melhor qualidade.
No seu falar doce e afável de uma ingenuidade emotiva, nhô Ivo, um salineiro de coração, poeta do povo, cantador apaixonado de serenatas e das noites cabo-verdianas, é sem dúvida uma referência incontornável na história de Santa Maria e do Algodoeiro em particular. Homem de baixa estatura mas com um coração grande! Conhecido por todos pelo seu trabalho ligado à saúde mas o que lhe distingue dos outros é a sua veia artística e repentista na sua forma como joga com as palavras e adoça a vida dos outros com as suas historias intermináveis.


Há bem poucos dias, tive o privilégio de passar um fim de tarde com ele e o seu violão. Cada música tinha uma história. Histórias de desafectos, de amores, de saudade e até mesmo de luto. Enquanto falava ou dedilhava as suas próprias composições, eu perdia-me em conjecturas só de pensar em tantos salenses, testemunhas vivas, construtores desta ilha querida que se silenciaram e com eles levaram tantas histórias lindas para a eternidade!
As suas melodias são simples e graciosas. A sua voz campesina e agastada pela maresia por vezes se desprende como o rumor das praias de Algodoeiro. Quando nhô Ivo canta a coladeira da sua autoria «Ó nha Bitinha», música popularizada por Bana, dificilmente se consegue deixar de rir: apesar da idade octogenária, no seu jeito jovial, faz-nos reviver essa sátira. Cada música termina com uma gargalhada.
Nhô Ivo conta que a «as noites eram mágicas quando se ouvia os tristes acordes de um violão. As serenatas eram realizadas debaixo de uma janela ao luar e quase sempre para despertar o coração de uma moça que se tornara motivo de paixão». A lua cheia era peça importante para enfeitar as noites de serenata daqueles que se madrugavam ao sabor da brisa e do som de um violão.
Hoje, com dificuldades em se deslocar, sempre que pode, encontra em Mateus Nunes um companheiro na faina musical cantando e entretendo aqueles que ainda se revêem na música tradicional.


Com este texto quero expressar a minha sincera homenagem a nhô Ivo e a todos os cantores e tocadores de violão que animaram as noites salineiras como Antoninho Lobo, Taninho Évora, Agostinho Fortes, Manel de Eugénia, Ti Chôt e tantos outros. Alguns, como Djon de Perpétua, Cula, e também fazem parte desse universo de tocadores que eu cresci a ouvir tocar. A ideia de escrever essas recordações não é puro saudosismo mas é dar a conhecer o passado para escrever o futuro.


Evel Rocha
Ildo0836@gmail.com
http://poemasdesal.blogspot.com/

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