SALINEIROS DE CORAÇÃO (XXII) – AO NORTE DA ILHA
Já visitei lugares verdejantes, montanhas imponentes mas nenhum deles encerra o encanto do Monte Grande, ao norte da ilha do Sal. Terra pederneiras negras e acobreadas de origem vulcânica cuja cintura desdobra-se em duas emblemáticas colinas granulares que se projectam em direcção ao mar. Apesar dos escassos 406 metros de comprimento, o cone tem uma inclinação bastante acentuada, tornando íngreme a caminhada até ao cume.
Após a subida do monte sentimos mais perto do Criador. Galgar a encosta, sentir a brisa fresca do oceano e ver a beleza estonteante da Fiúra é uma experiência única.
Ao descer o monte que se projecta como uma admirável enseada pelo lado norte até à cintura, somos surpreendidos pelo recanto ao estilo de um anfiteatro que carinhosamente os caminhantes apelidaram de «Abraço Amigo». Pedro, Vatú, Djidjai, Paulo, João Carlos, Chiquinho, Cau e Marina sabem do que eu estou a falar! As raríssimas plantas endémicas entre as escórias vulcânicas sobrevivem da humidade e da brisa oceânica.
A algumas centenas de metro, vislumbramos as ruínas do farol de Fiúra, pensativo, à espera de uma mão amiga de um «bom samaritano» que o ajude a reerguer-se das cinzas. A construção do novo farol demonstra o desrespeito e a insensibilidade pela nossa história – urge resgatar o emblemático farol de Fiúra para iluminar a consciência daqueles que vêm retalhando a nossa história. A magia do norte é embalada pelo assobio harmonioso do pardal-de-terra no seu ritual de acasalamento singrando a atmosfera como um navio em pleno mar, reportando-nos aos tempos da nossa meninência.
A pequena baía de Calhetinha ainda guarda todo o seu encanto milenar e selvagem. As ondas, sob os efeitos dos recifes e da força do vento, parecem noivas em fuga! A minudência paisagística do norte da ilha ostenta uma riqueza geológica que precisa ser registada nos roteiros turísticos do Sal. À distância, as pequenas elevações formadas por minúsculas colunas prismáticas parecem muralhas e catedrais medievais. No norte, a aridez é uma riqueza inigualável porque a solidão transmite paz, tranquilidade e inspiração ao visitante.
Atrás do Monte Grande há muitas histórias por escrever: os vestígios de uma população que vivia da pesca da baleia, de tartarugas e peixes que eram salgados para serem exportados para as outras ilhas, a captura da lagosta, percebes e cracas – o mar de Fiúra afigura-se como o maior viveiro de crustáceos do arquipélago. Ainda estão lá os pardieiros de terra batida, as cercas altaneiras para animais de grande porte como vacas e burros, caminhos antigos, marcos históricos. Há indícios que barcos piratas ancoraram o desembarcadouro de Fiúra mas estes ficarão para os próximos capítulos.
Escrevam o que escreverem, o primeiro campo de concentração de Cabo Verde foi sem sombra de dúvidas a ilha do Sal, a ilha dos desterrados! – os vestígios do passado ao norte da ilha estão lá para provar isso.
Evel Rocha - Ildo0836@gmail.com - http://poemasdesal.blogspot.com/
Sem comentários:
Enviar um comentário