terça-feira, 3 de maio de 2011
SALINEIROS DE CORAÇÃO (XVIII) – MANUEL ANTÓNIO MARTINS, UMA FIGURA ESQUECIDA
A história é émula do tempo, repositório dos factos,
testemunha do passado, exemplo do presente, advertência do futuro.
Miguel Cervantes, in "Dom Quixote"
Dos comentários publicados em cada artigo que escrevo, quero destacar os desabafos carregados de mágoa e frustração de alguns salineiros que se sentem ultrajados pela forma como a história da ilha vem sendo esquecida e apagada em nome da prosperidade. A Cidade de Santa Maria, o símbolo da identidade salense, e Pedra de Lume, o berço da ilha, são as que mais têm sofrido com isso. Gostaria de me centrar um pouco na história do senhor Conselheiro Manuel António Martins (MAM), a figura de proa destas ilhas e, em particular da ilha do Sal, fundador das duas localidades anteriormente citadas. Segundo rezam as crónicas do século passado, este aventureiro, ao desembarcar na planície do centro-leste da ilha (Pedra de Lume), deslumbrado com a beleza e potencialidades do lago salgado, resolveu explorar aquilo que lhe pareceu uma fonte de riqueza na altura. Surge, então, em Cabo Verde e, quiçá, em todo o domínio português, o PRIMEIRO TÚNEL (1804-1808) que até hoje continua firmemente intacto. Em Santa Maria (1837), este mesmo senhor teve a proeza de construir a PRIMEIRA LINHA-FÉRREA, dezanove anos antes do império português e da África (Enciclopédia Britânica)! Há muitas histórias por contar sobre as condições de vida que se vivia na época. Vieira Botelho da Costa em “A Ilha do Sal de Cabo Verde” (Boletim da Sociedade de Geografia nº 11 de 1882), desperta a nossa imaginação ao descrever o percurso salineiro desde a sua extracção até ao embarque. Antes, tudo era transportado em balaios pelas mulheres que tinham que lutar contra o sol escaldante e a estrada arenosa, contra as lestadas e os resmungos dos capatazes. As vagonetas, quando não havia vento de feição, eram puxadas por mulas. Nhô Ivo Nunes, no seu jeito descontraído, conta que cometeu a proeza de estar envolvido no primeiro «acidente de viação» da ilha no momento em que conduzia uma vagoneta que vinha em «alta velocidade», acabando por bater num automóvel que atravessava a linha férrea – até nisso somos pioneiros! Já agora, puxando do meu orgulho salense, devo relembrar que o PRIMEIRO TELEFÉRICO também foi construído neste chão salgado.
Manuel António Martins precisa ser relembrado mais vezes e o seu nome deverá estar intimamente ligado à história desta ilha e, em particular à bela cidade de Santa Maria. Homem de visão, empreendedor por excelência, político arguto, a sua vida foi entremeada de altos e baixos: da alta esfera social passou a prisioneiro, de herói (empresário de sucesso) passou a perseguido pela lei, para nos últimos anos da sua vida ser reconhecido como Conselheiro do Rei.
Não podemos escamotear a história por mais adversa que ela seja e, em nome da verdade, o nome do senhor MAM precisa constar do roteiro turístico com marcos históricos que invocam as suas realizações. Em 2014 estaremos celebrando os 240 anos do nascimento desta figura emblemática não só do Sal mas de todo o Cabo Verde. Proponho que o ano seja dedicado ao Conselheiro Manuel António Martins e que as actividades sejam centradas na Cidade de Santa Maria onde ainda (até quando?) existe a casa em que ele viveu os melhores anos da sua vida e o túmulo onde repousam os seus ossos.
Evel Rocha
Ildo0836@gmail.com
http://poemasdesal.blogspot.com/
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário