quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O TURISMO E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA ILHA DO SAL



SALINEIROS DE CORAÇÃO II
O primeiro grande erro das recentes estratégias políticas para o desenvolvimento turístico é a inversão dos valores. O pilar ambiental deveria ser o primeiro a ser preservado mas infelizmente a ênfase em demasia à parte económica acabou por ser esquecida não obstante os esforços de algumas organizações que defendem o meio ambiente




A Ilha do Sal é a única ilha do arquipélago que se desenvolveu graças aos seus próprios recursos naturais. Houve tempos que esta porção de terra não era mais que um asilo de criminosos e alguns poucos pastores de cabra e pescadores; As salinas de Pedra de Lume e Santa Maria sempre estiveram lá e não foi preciso muita imaginação humana para conquistarem o seu espaço como uma das maravilhas naturais deste planeta para um dos pilares de sustentação deste país; o aeroporto internacional foi construído no Sal graças às condições naturais da ilha e veio a transformar como a principal fonte de receita do país; o turismo que hoje se transformou na bandeira dos sucessivos governos dos últimos anos, já existia nestas paragens salislenas.

Hoje, registamos uma campanha quase que agressiva para atrair novos investidores e fazer crescer o número de turistas. Do nosso ponto de vista, este é um erro gravíssimo que as gerações vindouras terão de pagar se não houver uma urgente mudança na política virada para o turismo. O desenvolvimento turístico não se consegue a qualquer preço. Não há um plano de desenvolvimento sustentável virado para o turismo senão acções avulsas e, certos casos, irresponsáveis no investimento que agride o meio ambiente e marginaliza ostensivamente a população local.

O Desenvolvimento Turístico Sustentável, numa linguagem simplista, significa possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível satisfatório de desenvolvimento social e económico e de realização humana e cultural, fazendo, ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos da terra e preservando as espécies e os habitats naturais e é baseada nestes três pilares: (1) Ambiental, (2) social e (3) Económico.


1. O PILAR AMBIENTAL

O primeiro grande erro das recentes estratégias políticas para o desenvolvimento turístico é a inversão dos valores. O pilar ambiental deveria ser o primeiro a ser preservado mas infelizmente a ênfase em demasia à parte económica acabou por ser esquecida não obstante os esforços de algumas organizações que defendem o meio ambiente.

Na Ilha do Sal, as evidências agressivas ao ambiente são assustadoras. Como exemplo, temos o (1) desaparecimento quase por completo das salinas de Santa Maria que vão desaparecendo e dando lugar a construções que não levam em conta a natureza do solo artificial que por sua vez vem criando grandes constrangimentos â população na época das chuvas; (2) a construção de infraestruturas comerciais sobre a areia da praia de Santa Maria que, para além da deselegância estética, cobre em todo o seu comprimento uma boa parte da praia; (3) o não respeito pelas regras de construção nas zonas litorais ao permitirem a construção de prédios mesmo à beira do mar retirando aos moradores e visitantes a vista portentosa das praias; (4) o desaparecimento das dunas onde crescem algumas plantas e insectos em vias de extinção; (5) a não definição de espaços como reservas naturais; a necessidade de tributar uma percentagem das receitas turísticas para a preservação do ambiente local.

2. PILAR SOCIAL

Proteger a saúde, a segurança e uma melhor qualidade de vida das populações, promover o desenvolvimento pessoal da massa trabalhadora, defender as condições de trabalho e o direito à habitação condigna é promover o desenvolvimento turístico de qualidade.

Não importa ter a melhor praia do mundo, o clima mais apetecível, os estabelecimentos turísticos apinhados se a população local não usufruir deste bem que a natureza lhes auferiu. As ruas mal iluminadas, as estradas esburacadas, as condições subhumanas em que muitos moradores se encontram são evidências de que o desenvolvimento turístico até hoje traçado tem sido um fracasso – não importa ter as «melhores» leis do mundo se elas, na prática, não surtem efeito.

Ao visitar um dos hotéis aqui da ilha, ouvi um turista comentando sobre o inquérito de satisfação que ele teve acesso e surge a pergunta: para quando um inquérito de satisfação para analisar até que ponto o turismo pode ser um instrumento de desenvolvimento e valorização da pessoa humana, e como a hotelaria impacta a comunidade local? - Um estudo desta envergadura ajudaria na tomada de outras iniciativas que resultariam na criação de indicadores sociais na implementação de princípios éticos, dentro do conceito de responsabilidade social.

Como um exemplo emblemático da responsabilidade social, gostaria de destacar o papel crucial que o Hotel Morabeza desempenhou nos tempos em que a Companhia Fomento fechou as suas portas. Não fora a generosidade da família proprietária e o empenho dos directores do Morabeza haveria fome em Santa Maria.

3. PILAR ECONÓMICO

Seria interessante um estudo periódico para saber quantos dos turistas regressam de férias para o nosso país. A publicidade exacerbada pode ser perigosa se não tiver em conta as fragilidades das insfraestruturas locais. Há que se apostar na inovação, na qualidade e excelência.

Devemos lembrar sempre que o crescimento económico não é o mesmo que desenvolvimento económico e ter em conta que os recursos naturais são finitos e se não forem preservados um dia esgotar-se-ão. Corremos o risco de, em pouco tempo, ver os recursos naturais da ilha esgotados se não se inverterem esta tendência de centrar a estratégia de desenvolvimento apenas na economia que, a meu ver, deveria estar em terceiro plano. O crescimento económico sugere quantidade e se esgota em pouco tempo enquanto o desenvolvimento económico sugere qualidade e é mais duradouro.

À laia de conclusão, diria que Sal é a cinderella das ilhas atlânticas. Sempre foi assim. O facto de ter sido das últimas ilhas a serem povoadas demonstra o desinteresse ou a desconfiança das autoridades face às potencialidades da ilha. Se o turismo falhar outro milagre acontecerá.

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