terça-feira, 21 de dezembro de 2010
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
SALINEIROS DE CORAÇÃO (X) – CONSTRUINDO A CONSCIÊNCIA SALENSE
Uma homenagem póstuma a João Palavra
Numa das minhas viagens de avião ao exterior, tive a sorte de vislumbrar a Ilha do Sal de longe e, pelos seus contornos e planura, possivelmente influenciado pela sua história, parecia um Porta-aviões. Deus teve o cuidado de colocar os pequenos montes num canto ao norte e bem no meio da ilha colocou o Morro de Curral, o radar, a «torre de vigília» de onde se pode ver a ilha de ponta-a-ponta.
Nesse morro ainda existem algumas grutas circundantes que guardam histórias por contar, onde os primeiros habitantes de um passado não muito longínquo, improvisaram a sua primeira morada. Entre os bravos pioneiros que vieram das ilhas consta o nome de João Palavra, o patriarca da numerosa e simpática família que traz o seu apelido. Tive a sorte de ler o seu testemunho publicado pela Inforasa (nº. 13 Maio, 2002), gentilmente cedido por um ilustre amigo meu. Não resisti em fazer uma viagem ao imaginário da construção deste imenso «porta-aviões» numa visita guiada pelo testemunho de Nhô Palavra.
Após desembarque no porto salineiro de Manuel António Martins, os primeiros imigrantes rumavam em direcção à zona centro da ilha que viria a ser chamada de Espargos, pela abundância desta planta que cobria toda a área onde nasce-ria o aeroporto. A primeira casa construída foi a de Gil Vera-Cruz, dois compar-timentos cobertos com folhas de tamareira e com o chão de terra batida, era a casa de pasto dos operários de construção do aeroporto. A maior parte dos que desembarcavam do navio «28 de Maio» eram clandestinos que fugiam à seca que assolava as ilhas. Aqui, nesta planura desértica e desoladora, depois de um dia esbodegado, cada um munia da sua botija e ia para Palmeira buscar água – único lugar onde se podia ter acesso ao precioso líquido para beber. Na altura, ausência do verde e da sombra, as miragens e o silvar da aragem eram tão fortes que a calacearia, após um dia extenuante de trabalho, tirava aos trabalhadores a vontade de andar mais algumas centenas de metros para chegar à casa de TiGil – daí surgiu o nome de Preguiça, segundo Nhô Palavra.
Sessenta e quatro anos depois da sua vinda ao Sal, Nhô Palavra, no seu jeito descontraído e num riso de quem se sentia vingado pelas agruras da vida, olhou para o Morro de Curral e disse: - Ali foi o primeiro «bloco de apartamentos» desta ilha! Este morro serviu de guarida a muitos trabalhadores vindos das outras ilhas que se refugiavam nas grutas e construíam barracas com os restos dos materiais da construção do aeroporto. A vida era dura mas ganhávamos bem. Quando regressávamos à ilha de origem para passar férias, as pessoas olhavam para nós e diziam que os emigrantes da «Holandinha» tinham chegado à terra.
A primeira piscina construída em Cabo Verde também foi aqui no Sal – a saudosa Pausada arquitectada pelos italianos; no lugar onde fica o Porto da Palmeira, antes, era uma Pausada moderna bem apetrechada e segura com uma piscina natural, conhecida como «prainha». Nos tempos livres, a pista de aviação servia de campo de futebol; cabo-verdianos e italianos, irmanados pela vontade de preencher os tempos livres juntavam-se nas pescarias, nas peladas, na natação, nas «picapadas» de fim-de-semana, trocando copos e anedotas; num crioulo torto mas sempre respeitando as diferenças, os italianos deixaram fama de pessoas sociáveis e alegres.
João Palavra trazia as marcas de uma época difícil que prensaram na sua alma as memórias dos dias passados numa caverna, a mágoa de ver um amigo a ser asilado pela doença de «tracoma» que levava à cegueira, as noites de febre ao relento, à luz de uma lamparina… mas valeu a pena ter participado na constru-ção desta ilha que tanto amou e ajudou a construir como um salineiro de cora-ção!
Evel Rocha
Ildo0836@gmail.com
http://poemasdesal.blogspot.com/
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
PAULINO VIEIRA, O ETERNO VIOLEIRO
Sexta-feira, 26 de Novembro, o Cine-Asa está apinhado de pessoas, jovens e adultos que de uma forma ordeira, procuram os lugares mais perto do palco. Poucos minutos depois da hora, surge a figura do músico, na sua simplicidade de sempre no vestir e no falar, figura do lavrador que faz da sua guitarra clássica a enxada e semeia a sua mensagem no coração das quinhentas almas que enchem o venerável recinto de espectáculo. O concerto de Paulino Vieira está dividido em duas partes: a primeira, um recital da música tradicional com sua guitarra e a segunda, uma cantata com variações entre o piano e a guitarra clássica. Duas horas e meia de música da melhor qualidade em que o mestre revela toda a sua versatilidade musical como músico, filósofo e poeta!
1. Paulino Vieira, o músico – sentado numa cadeira giratória colocada no alto de uma mesa despida, eis que a música enche a nave que nos transporta ao universo de Paulino e, em cinquenta minutos, vivemos as décadas da nossa história no dedilhar intenso do artista, refinando as notas musicais e, numa harmonia genial, deixa a impressão que há uma orquestra escondida algures que o acompanha! A mesa é um instrumento de percussão que toma a vez de uma bateria de tambores rufando ao ritmo da coladeira ou o funaná ; a cadeira giratória é a bailarina que acompanha o artista nos seus movimentos corporais numa harmonia perfeita, mesmo sentado, ele dança o batuque, torneando o corpo, cavalgando a guitarra clássica, levando ao rubro o auditório em aplausos ritmados, sincopados, embriagados pela beleza rítmica do som do mestre.
Em silêncio, sedentos, sorvemos o néctar dos acordes da guitarra que, num choro triste e magoado, parece lamentar a «biografia dum crioulo» e depois num despertar festivo, a nossa alma corre aos saltos pela terra agreste ao som do «Sol di Manhã» – aplausos!
2. Paulino Vieira, o poeta – A segunda parte do espectáculo é uma cantata onde o ouvinte se delicia com a harmonia ora do piano, ora da guitarra com a sua voz rouca, por vezes quase um sussurro como se a dor quisesse apagá-lo mas perfeitamente audível no canal silencioso; pode alguém cantar a duas vozes ao mesmo tempo? Claro que não!, mas Paulino Vieira consegue. Ele canta na primeira e na segunda voz, em simultâneo numa sobrenatural e belíssima melodia, a música «M´qria ser Poeta», o hino dos namorados - daí entendemos a razão porque as pessoas dizem que ele é «louco»!
Há uma tendência de colocar a poesia de Paulino em segundo plano face à excelência da sua música mas, do nosso ponto de vista, elas complementam-se: os poemas seriam um desdobramento imediato das sensações e angústias do artista e da sua percepção de mundo e de informações biográficas - a sua vida é explicada através da sua poesia; não tenho dúvidas que as suas obras são também panfletários de uma nova forma de ver o mundo. Por outro lado, Paulino distancia-se intencionalmente das produções musicais que ele mesmo declara, em outros momentos, de «mafiosas» .
3. Paulino Vieira, o filósofo – a entrada no palco do músico faz vibrar o edificio com aplausos e manifestações de carinho – alguns chegam a venerar o artista com arrepios indescritiveis. Só assim se compreende como este senhor, um dia, resolve mudar de atitude e afasta-se das câmaras e dos holofotes, refugiando-se no silêncio, contudo, transforma-se num ídolo admirado por adolescentes, jovens e adultos.
Paulino é a figura de consenso no mundo musical, admirado por todos mas ao mesmo tempo uma figura controversa numa falange dos actores da arte pela sua postura.
Não tenho dúvidas que Paulino é o Diógenes dos dias de hoje. Como o filósofo de Sínope com a sua lanterna em pleno meio-dia, Paulino procura com a sua guitarra «o homem», na sua verdadeira dimensão da palavra, que seja honesto, integro e preocupado com os problemas da humanidade; entre uma música e outra vai semeando a sua «doutrina». Para melhor ilustrar a filosofia de vida do mestre Paulino, recorro uma vez mais a um episódio na vida de Diógenes: reza a história que certa vez Aristipo que vivia confortavelmente bajulando o rei, ao ver Diógenes preparando um prato de lentilhas, disse-lhe, «se você aprendesse a adular o rei não precisaria dessa comida de pobres». Diógenes respondeu-lhe com desprezo, «E se você tivesse aprendido a comer lentilhas não precisava bajular o rei!»
Evel Rocha
Ildo0836@gmail.com
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quarta-feira, 27 de outubro de 2010
SALINEIROS DE CORAÇÃO (VI) – A PROEMINÊNCIA DO DESPORTO SALENSE
No passado mês de Outubro, tive o privilégio de assistir à homenagem prestada ao salense Mitú Monteiro, campeão do Kitesurf Profissional World Tour (KPWT) com a medalha de mérito de primeira classe pelo Presidente da República. São daquelas cerimónias singelas que nos tocam profundamente principalmente por se tratar de um jovem que conheço desde a tenra idade. No ano passado, tinha sido a vez de Josh Angulo (salineiro de coração, campeão mundial de Windsurf várias vezes) distinguido pelo edil local e, acreditamos que muitos mais hão-de vir. É com muita emoção que registo estes dois momentos para destacar a importância do contributo que a Ilha do Sal vem dando para o desporto cabo-verdiano e para o desporto Internacional.
Tive oportunidade de assistir à Gala Municipal do Desporto do ano de 2010 e fiquei em desassombro ao ver um número crescente de campeões nacionais desfilando pelo salão Nobre da CMS. Uma iniciativa de louvar! É pena que muitos atletas valorosos do passado acabaram por ficar no anonimato; na minha infância, ia ver os jogos no pelado de Campo d`Obra, nos tempos em que o Sal era terra de «gente castigod», entre tantos outros, destacavam-se os nomes de Djó de Pedra de Lume (o homem das defesas impossíveis) e Cai de Juventude («escontche» dos dribles mágicos). É claro que antes destes, havia nomes no futebol de craveira mundial e, depois destes, surgiram outros que se vingaram no futebol com Pú, Mendes e Zé Rocha, ícones da história do futebol salense.
No andebol, Sal é a potência da modalidade a nível nacional sem dúvidas! Neste particular, destacamos a equipa da Académica pelos vários títulos consecutivos. Os outros clubes locais só podem sentir orgulhosos por isso. No atletismo estamos na linha de frente a quilómetros de distância! Nos desportos náuticos, quando há competições, os jovens da ilha salineira arrasam a concorrência. Toda essa onda de sucesso deve-se às condições naturais, à envolvência das entidades locais à militância dos líderes associativos ligados às modalidades mas, penso, que se pode fazer muito mais. No desejo de colaborar, aqui deixo a minha modéstia contribuição e alguns subsídios para o desenvolvimento do desporto local:
Primeiro, a criação do Conselho Municipal do Desporto é fundamental para a sedimentação das modalidades, apoio e subsídio aos atletas do desporto individual, acessoria aos clubes emergentes, acção de capacitação aos líderes comunitários ligados aos desportos náuticos, homologar o calendário municipal de actividades desportivas de modo a dar atenção a todas as modalidades.
Segundo, a criação de um Plano de Desenvolvimento do Desporto com o objectivo de definir caminhos orientadores para o desenvolvimento desportivo sustentado, atrair mais praticantes e uma população mais activa e mais saudável; melhores praticantes; melhores locais de prática; melhor gestão.
Terceiro, aproveitando a louvável iniciativa da Gala do Desporto Municipal, enriquecer o evento com a criação de um link onde os munícipes podem votar o atleta do ano, a criação de um júri na escolha das personalidades do ano, os dirigentes voluntários, o treinador, os patrocinadores que contribuíram para o desporto, o prémio de mérito e carreira para um atleta ou dirigente do passado – como forma de estimular não só os premiados do ano mas aqueles que impulsionam as modalidades.
Tendo como referência as inquietações na evolução do desporto, é necessário relembrar sempre que o tradicionalismo e a «carolice» têm de dar lugar à organização e a metodologias científicas. Esta evolução positiva, quando bem implementada, tende a melhorar (i) o conhecimento da organização de estratégias que concorrem para o sucesso desportivo, (ii) o planeamento e a organização do treino, tornando os seus conteúdos mais objectivos e específicos e (iii) a regulação da aprendizagem, do treino e da competição (Garganta, 1998).
Evel Rocha
Ildo0836@gmail.com
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terça-feira, 19 de outubro de 2010
sábado, 9 de outubro de 2010
quinta-feira, 30 de setembro de 2010
SALINEIROS DE CORAÇÃO (IV) – SAL, A CINDERELLA DAS ILHAS
A Ilha do Sal tem um percurso histórico diferenciado das outras ilhas. Após a sua descoberta, vieram alguns habitantes da vizinha Boa Vista que aproveitaram os terrenos para criação de gados. Nessa altura, a ilha fazia parte do Concelho de Boa Vista.
1835, Manuel António Martins funda a povoação de Santa Maria. Inicialmente este deu o nome à povoação de Porto Martins mas a vila perpetuou-se no tempo como vila de Santa Maria.
OS TRÊS CICLOS DO DESENVOLVIMENTO DA ILHA
1º CICLO – DESENVOLVIMENTO DAS SALINAS
1919, a sociedade Salins du Cap Vert adquire as salinas da ilha do Sal, iniciando uma intensiva exploração das mesmas, reactivando o comércio do sal. Chegam pessoas das ilhas de São Nicolau, Boavista e Santo Antão para trabalhar nas salinas e são construídas casas para estes se instalarem, uma maquinaria para peneirar e pulverizar o sal e um teleférico de 1100 metros de comprimento que transportam 25 toneladas de sal por hora desde as salinas de Pedra de lume ao cais de embarque.
2º CICLO – DESENVOLVIMENTO AEROPORTUÁRIO
1939, dia 15 de Agosto, curiosamente dia consagrado a Nossa Senhora de Piedade, padroeira de Pedra de Lume, a ilha do Sal vê aterrar no seu solo, perante a estupefacção de todos, o seu primeiro avião (LATI).
1962, 11 de Maio, a South African Airways (SAA) teve um papel preponderante no desenvolvimento do Aeroporto Internacional Amílcar Cabral e na vida económica da Ilha do Sal e de Cabo Verde;
Num segundo momento, no período Pós-independência, conforme Celso Estrela, pela primeira vez após os 26 anos da sua criação, a exploração desta infra-estrutura passou a dar lucros;
Por sua vez a ilha do Sal, sobretudo a povoação de Espargos, começa a dar sinais de crescimento populacional, o comércio e os serviços começam a desabrochar.
1981, a vila de Santa Maria, então sede do Concelho, perde o seu estatuto a favor do Espargo, e em contrapartida, mais hotéis são construídos tornando-se em consequência, e graças ao aeroporto, o capital do turismo em Cabo Verde.
3º CICLO – DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO
1963, a história do turismo na ilha inicia com a chegada do casal belga Gaspard Vynckier e Marguerite Massart, atraídos pelo clima e, por razões de saúde, decidem construir uma casa de férias na vila de Santa Maria. Mais tarde a casa do casal belga passou a acolher as tripulações de várias companhias aéreas que faziam escala no Sal.
No panorama nacional, a ilha do Sal apresenta os melhores índices de crescimento e desenvolvimento, sendo vista como a ilha das oportunidades e um modelo de desenvolvimento para as outras ilhas.
CONCLUSÃO
O desenvolvimento do Sal não se deu porque havia algum plano ou programa que visasse o seu povoamento e/ou desenvolvimento – daí a nossa afirmação que a Ilha do Sal é a Cinderella das ilhas. Ela cresceu graças às suas condições naturais. Um português chamado Manuel António Martins, ao visitar a ilha votada ao abandono, viu as suas potencialidades naturais para o desenvolvimento da indústria salineira e resolve explorá-las.
Com a decadência da indústria salineira, aparece o ciclo do desenvolvimento aeroportuário que aconteceu naturalmente, a despeito dos grandes centros urbanos de então, numa ilha esquecida pelos governantes. Por razões óbvias, os leitores hão de concordar comigo que se as ilhas ditas mais desenvolvidas tivessem as condições que o Sal tem o aeroporto nunca seria construído ali.
O turismo desenvolveu-se naturalmente – graças aos dois ciclos anteriores e aos recursos naturais da ilha – a longevidade deste ciclo irá depender das estratégias traçadas pelos actores políticos, procurando corrigir os erros cometidos até hoje, centrando o desenvolvimento sustentável no ambiente e na pessoa humana.
Evel Rocha - Ildo0836@gmail.com
SALINEIROS DE CORAÇÃO (iii) - IMPACTO TURÍSTICO
O turismo favorece a criação de áreas, programas e entidades (governamentais e não governamentais) de protecção da fauna e flora e de conservação de sítios arqueológicos e monumentos históricos (Ruschmann, 2002), infelizmente, no nosso caso, acontece exactamente o contrário – como exemplo, as salinas de Pedra de Lume, o maior monumento histórico do país encontra-se em estado de degradação extrema transformando aquela localidade num vilarejo fantasmagórico.
Na minha última reflexão abordei a questão da necessidade de um estudo sobre a satisfação para analisar até que ponto o turismo pode ser um instrumento de desenvolvimento e valorização da pessoa humana, e como a hotelaria impacta a comunidade local. O que acontece no nosso meio, salvo raras excepções, os estudos encomendados nascem com o intuito de reforçar o ponto de vista de quem os encomenda e não de retratar a realidade tal como ela é.
Como pistas para reflexões posteriores, gostaria de cruzar alguns pressupostos do desenvolvimento turístico com alguns dados sociológicos relativos ao impacto do turismo em Santa Maria, segundo alguns depoimentos dos locais:
• Se por um lado há um sentimento de orgulho pelos recursos naturais turísticos da ilha por outro há uma desilusão pela forma como os próprios cidadãos se sentem privados da livre circulação pelos espaços turísticos à sua volta. (Besculides e colaboradores, 2002).
• A priori, o turismo deveria permitir que moradores e turistas inter-relacionassem – o que possibilitaria a aquisição não formal de conhecimentos e também para o desenvolvimento de tolerância mas, infelizmente, o modelo adoptado de «tudo incluído» afasta uns e outros numa clara desvantagem para os locais.
• O turismo favorece a criação de áreas, programas e entidades (governamentais e não governamentais) de protecção da fauna e flora e de conservação de sítios arqueológicos e monumentos históricos (Ruschmann, 2002), infelizmente, no nosso caso, acontece exactamente o contrário – como exemplo, as salinas de Pedra de Lume, o maior monumento histórico do país encontra-se em estado de degradação extrema transformando aquela localidade num vilarejo fantasmagórico.
• O turismo deveria contribuir para a melhoria das condições de acesso, instalação ou expansão de canalização de água, esgoto, energia eléctrica e outros serviços públicos (Aulicino, 2001); contrariamente a este pressuposto, temos uma cidade mal iluminada e o resto todos já sabem.
• O turismo contribui para a geração de renda, criação de empregos e aumento na arrecadação de impostos (Aulicino, 2001; Ruschmann, 2002; Burns, 2002). - Do ponto de vista do cidadão comum estas vantagens acabam por criar um sentimento de frustração e um pessimismo galopante visto que na prática essas receitas acabam nas mãos de uma minoria restrita e o emprego precário é desmotivante.
Para complicar ainda mais a vida, o cidadão comum, aquele que corre atrás do seu sustento no dia-a-dia, tem que lidar com (1) a especulação imobiliária que inflaciona o preço dos terrenos e leva à descaracterização do ambiente e à deslocalização dos moradores tradicionais do lugar – que são, em geral, confinados a locais mais pobres e distantes (Calvente, 2001); (2) mão-de-obra desqualificada como trabalhadores de construção civil, trabalhadores da restauração vindos de outras paragens desestruturando a economia de subsistência dos locais; (3) por razões económicas, trabalhadores vindos de outras ilhas e da costa africana acotovelam-se em quartos superlotados; (4) a insuficiência de moradias, de escolas, centros de saúde e acções culturais; (5) o aumento do preço das mercadorias, do barulho, problemas de saneamento básico, alteração nos estilos de vida e costumes.
PRINCIPAIS MONUMENTOS DE INTERESSE NO SAL:
1. SALINAS DE PEDRA DE LUME: o maior e mais importante património natural do país pela sua beleza e exuberância.
Estado de conservação: carece de uma intervenção urgente para preservação do que ainda existe antes que seja tarde demais.
2. FAROL DE FIÚRA: hoje, um gigante de pedra em ruína que a qualquer momento sucumbirá restando apenas pedra sobre pedra, contudo, à semelhança do que acontece em outras paragens, ainda vamos a tempo de reerguê-lo.
3. PONTÃO DE SANTA MARIA: ex libris da cidade, o cartão postal do país turístico.
Estado de conservação: muito boa mas completamente desfasado do que era o pontão original; reabilitar sim mas não delapidar o testemunho do passado.
4. RESIDÊNCIA DE MANUEL ANTÓNIO MARTINS: localizada em Santa Maria e, por se tratar do fundador da ilha, pela sua localização e dimensão, tem todas as condições para ser o museu da história da ilha).
Estado de conservação: decadente.
CONCLUSÃO
A Ilha do Sal deveria ter um estatuto especial, tendo em conta as suas especificidades no panorama nacional. Deste estatuto defendemos que (1) 49% das receitas do turismo deveria ser dirigida a acções que beneficiam directamente a população local e (2) todos os programas de investimento deveriam contemplar uma acção que reflectisse a Responsabilidade Social.
Lembremos que o sol, as praias e toda a riqueza natural desta ilha que são vendidos aos turistas pertencem este povo – os salineiros de coração.
Evel Rocha
Ildo0836@gmail.com
O TURISMO E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA ILHA DO SAL
SALINEIROS DE CORAÇÃO II
O primeiro grande erro das recentes estratégias políticas para o desenvolvimento turístico é a inversão dos valores. O pilar ambiental deveria ser o primeiro a ser preservado mas infelizmente a ênfase em demasia à parte económica acabou por ser esquecida não obstante os esforços de algumas organizações que defendem o meio ambiente
A Ilha do Sal é a única ilha do arquipélago que se desenvolveu graças aos seus próprios recursos naturais. Houve tempos que esta porção de terra não era mais que um asilo de criminosos e alguns poucos pastores de cabra e pescadores; As salinas de Pedra de Lume e Santa Maria sempre estiveram lá e não foi preciso muita imaginação humana para conquistarem o seu espaço como uma das maravilhas naturais deste planeta para um dos pilares de sustentação deste país; o aeroporto internacional foi construído no Sal graças às condições naturais da ilha e veio a transformar como a principal fonte de receita do país; o turismo que hoje se transformou na bandeira dos sucessivos governos dos últimos anos, já existia nestas paragens salislenas.
Hoje, registamos uma campanha quase que agressiva para atrair novos investidores e fazer crescer o número de turistas. Do nosso ponto de vista, este é um erro gravíssimo que as gerações vindouras terão de pagar se não houver uma urgente mudança na política virada para o turismo. O desenvolvimento turístico não se consegue a qualquer preço. Não há um plano de desenvolvimento sustentável virado para o turismo senão acções avulsas e, certos casos, irresponsáveis no investimento que agride o meio ambiente e marginaliza ostensivamente a população local.
O Desenvolvimento Turístico Sustentável, numa linguagem simplista, significa possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível satisfatório de desenvolvimento social e económico e de realização humana e cultural, fazendo, ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos da terra e preservando as espécies e os habitats naturais e é baseada nestes três pilares: (1) Ambiental, (2) social e (3) Económico.
1. O PILAR AMBIENTAL
O primeiro grande erro das recentes estratégias políticas para o desenvolvimento turístico é a inversão dos valores. O pilar ambiental deveria ser o primeiro a ser preservado mas infelizmente a ênfase em demasia à parte económica acabou por ser esquecida não obstante os esforços de algumas organizações que defendem o meio ambiente.
Na Ilha do Sal, as evidências agressivas ao ambiente são assustadoras. Como exemplo, temos o (1) desaparecimento quase por completo das salinas de Santa Maria que vão desaparecendo e dando lugar a construções que não levam em conta a natureza do solo artificial que por sua vez vem criando grandes constrangimentos â população na época das chuvas; (2) a construção de infraestruturas comerciais sobre a areia da praia de Santa Maria que, para além da deselegância estética, cobre em todo o seu comprimento uma boa parte da praia; (3) o não respeito pelas regras de construção nas zonas litorais ao permitirem a construção de prédios mesmo à beira do mar retirando aos moradores e visitantes a vista portentosa das praias; (4) o desaparecimento das dunas onde crescem algumas plantas e insectos em vias de extinção; (5) a não definição de espaços como reservas naturais; a necessidade de tributar uma percentagem das receitas turísticas para a preservação do ambiente local.
2. PILAR SOCIAL
Proteger a saúde, a segurança e uma melhor qualidade de vida das populações, promover o desenvolvimento pessoal da massa trabalhadora, defender as condições de trabalho e o direito à habitação condigna é promover o desenvolvimento turístico de qualidade.
Não importa ter a melhor praia do mundo, o clima mais apetecível, os estabelecimentos turísticos apinhados se a população local não usufruir deste bem que a natureza lhes auferiu. As ruas mal iluminadas, as estradas esburacadas, as condições subhumanas em que muitos moradores se encontram são evidências de que o desenvolvimento turístico até hoje traçado tem sido um fracasso – não importa ter as «melhores» leis do mundo se elas, na prática, não surtem efeito.
Ao visitar um dos hotéis aqui da ilha, ouvi um turista comentando sobre o inquérito de satisfação que ele teve acesso e surge a pergunta: para quando um inquérito de satisfação para analisar até que ponto o turismo pode ser um instrumento de desenvolvimento e valorização da pessoa humana, e como a hotelaria impacta a comunidade local? - Um estudo desta envergadura ajudaria na tomada de outras iniciativas que resultariam na criação de indicadores sociais na implementação de princípios éticos, dentro do conceito de responsabilidade social.
Como um exemplo emblemático da responsabilidade social, gostaria de destacar o papel crucial que o Hotel Morabeza desempenhou nos tempos em que a Companhia Fomento fechou as suas portas. Não fora a generosidade da família proprietária e o empenho dos directores do Morabeza haveria fome em Santa Maria.
3. PILAR ECONÓMICO
Seria interessante um estudo periódico para saber quantos dos turistas regressam de férias para o nosso país. A publicidade exacerbada pode ser perigosa se não tiver em conta as fragilidades das insfraestruturas locais. Há que se apostar na inovação, na qualidade e excelência.
Devemos lembrar sempre que o crescimento económico não é o mesmo que desenvolvimento económico e ter em conta que os recursos naturais são finitos e se não forem preservados um dia esgotar-se-ão. Corremos o risco de, em pouco tempo, ver os recursos naturais da ilha esgotados se não se inverterem esta tendência de centrar a estratégia de desenvolvimento apenas na economia que, a meu ver, deveria estar em terceiro plano. O crescimento económico sugere quantidade e se esgota em pouco tempo enquanto o desenvolvimento económico sugere qualidade e é mais duradouro.
À laia de conclusão, diria que Sal é a cinderella das ilhas atlânticas. Sempre foi assim. O facto de ter sido das últimas ilhas a serem povoadas demonstra o desinteresse ou a desconfiança das autoridades face às potencialidades da ilha. Se o turismo falhar outro milagre acontecerá.
SALINEIROS DE CORAÇÃO I
Esta é a ilha das muitas cores, da diversidade cultural, da sonoridade plurilingue. A semana do emigrante destes dois últimos anos veio provar que é possível a unidade na diversidade quando ouvimos os aplausos efusivos às manifestações culturais apresen-tadas pelos santomenses, senegaleses, britânicos e asiáticos
Vieram pessoas de todas as ilhas. Vinham em busca de trabalho e de uma vida melhor mas sempre com o desejo de regressar à «casa». Aos poucos criaram raízes e por aqui ficaram. Como eu, todos os ditos «salenses de gema» têm no sangue uma porção das outras ilhas. Sal transformou-se numa ilha global.
Ultimamente, nas conferências e fórum que passaram a ser um hábito no Sal, fala-se muito naquilo que chamamos de «orgulho salense» – os habitantes da ilha (refiro-me àqueles que nasceram e aqueles que elegeram o Sal como a sua morada) hoje, a uma só voz, defendem e exteriorizam o seu orgulho de pertença. Contudo, ainda temos um longo caminho a percorrer de modo a cimentar esse facto.
1. UMA ILHA GLOBAL
Esta é a ilha das muitas cores, da diversidade cultural, da sonoridade plurilingue. A semana do emigrante destes dois últimos anos veio provar que é possível a unidade na diversidade quando ouvimos os aplausos efusivos às manifestações culturais apresen-tadas pelos santomenses, senegaleses, britânicos e asiáticos. "Ser livre não é mera-mente ter retiradas as correntes de uns, e sim viver de um modo que respeite a liber-dade dos outros"
( Nelson Mandela).
Ultrapassámos a época em que Sal era a ilha do desterro, «ilha de gente castigod», em que os funcionários que, por força da transferência, eram obrigados a permanecerem aqui; hoje, temos um parlamento local constituído por pessoas de outros quadrantes do arquipélago que defendem a ilha de uma forma em que só podemos nos orgulhar!
2. UMA ILHA CULTURAL
A poesia insular que ao longo dos séculos permaneceu em silêncio nas sumptuosas praias salislenas e nas chãs ressequidas de Fiúra até à Ponta de Sinó que por tempos intervalados acordava, ora ao som do violão de Luís Rendall e Taninho, ora ao som do piano de Tututa e pela voz de Mirrilobo e tantos jovens que de uma forma tímida emprestavam a sua voz à poesia, parece querer acordar de vez com a feliz iniciativa dos Tempos de Serenatas que todas as semanas percorre as artérias das nossas vilas, resgatando um bem precioso que veio reforçar o «orgulho salense».
O nascimento de grupos como Cordá Dja Sal, Unidos de S. Nicolau, Apocalipse e um número incontável de jovens músicos, amantes da literatura, o resgate das festas populares, a criação de associações de carácter social são indicadores de que a ilha está a crescer e a conquistar o seu espaço no universo cultural cabo-verdiano.
3. UMA ILHA COM HISTÓRIA
Contudo, há que reconhecer, a nível histórico, estamos regredindo mas a tempo de recuperar alguns monumentos que constituem a pedra de toque deste grande edifício que é a ilha do Sal. Um exemplo paradigmático do desaparecimento de vestígios histó-ricos locais é o majestoso farol de Fiúra em ruínas. O desaparecimento lento e agonia-do das salinas de Santa Maria espelham a irresponsabilidade e o completo abandono por parte de quem de direito, favorecendo o enriquecimento fácil; as salinas de Pedra de Lume, que são sem dúvida um património inigualável na história de Cabo Verde, pelo seu esplendoroso passado e pela sua actual exuberância, corre o risco de ter o mesmo destino das suas irmãs do sul da ilha. Em Santa Maria, a casa onde morou o fundador da Ilha ainda está lá mas não sabemos por quanto tempo – aos poucos vai desaparecendo num lento e doloroso silêncio à espera que alguém se lembre que foi a partir daquela casa – a casa de Manuel António Martins – que a história do povoamento da ilha começou a ser escrita.
Quero terminar este artigo citando um dos grandes vultos da música cabo-verdiana, rendendo a minha homenagem à ilha e ao autor, Tchinôa:
Ó Dja Sal,
Onte bo foi terra de gente castigod
Hoje bo é terra de gente bem penteod
Que bem na bo ca ta largob!
Vieram pessoas de todas as ilhas. Vinham em busca de trabalho e de uma vida melhor mas sempre com o desejo de regressar à «casa». Aos poucos criaram raízes e por aqui ficaram. Como eu, todos os ditos «salenses de gema» têm no sangue uma porção das outras ilhas. Sal transformou-se numa ilha global.
Ultimamente, nas conferências e fórum que passaram a ser um hábito no Sal, fala-se muito naquilo que chamamos de «orgulho salense» – os habitantes da ilha (refiro-me àqueles que nasceram e aqueles que elegeram o Sal como a sua morada) hoje, a uma só voz, defendem e exteriorizam o seu orgulho de pertença. Contudo, ainda temos um longo caminho a percorrer de modo a cimentar esse facto.
1. UMA ILHA GLOBAL
Esta é a ilha das muitas cores, da diversidade cultural, da sonoridade plurilingue. A semana do emigrante destes dois últimos anos veio provar que é possível a unidade na diversidade quando ouvimos os aplausos efusivos às manifestações culturais apresen-tadas pelos santomenses, senegaleses, britânicos e asiáticos. "Ser livre não é mera-mente ter retiradas as correntes de uns, e sim viver de um modo que respeite a liber-dade dos outros"
( Nelson Mandela).
Ultrapassámos a época em que Sal era a ilha do desterro, «ilha de gente castigod», em que os funcionários que, por força da transferência, eram obrigados a permanecerem aqui; hoje, temos um parlamento local constituído por pessoas de outros quadrantes do arquipélago que defendem a ilha de uma forma em que só podemos nos orgulhar!
2. UMA ILHA CULTURAL
A poesia insular que ao longo dos séculos permaneceu em silêncio nas sumptuosas praias salislenas e nas chãs ressequidas de Fiúra até à Ponta de Sinó que por tempos intervalados acordava, ora ao som do violão de Luís Rendall e Taninho, ora ao som do piano de Tututa e pela voz de Mirrilobo e tantos jovens que de uma forma tímida emprestavam a sua voz à poesia, parece querer acordar de vez com a feliz iniciativa dos Tempos de Serenatas que todas as semanas percorre as artérias das nossas vilas, resgatando um bem precioso que veio reforçar o «orgulho salense».
O nascimento de grupos como Cordá Dja Sal, Unidos de S. Nicolau, Apocalipse e um número incontável de jovens músicos, amantes da literatura, o resgate das festas populares, a criação de associações de carácter social são indicadores de que a ilha está a crescer e a conquistar o seu espaço no universo cultural cabo-verdiano.
3. UMA ILHA COM HISTÓRIA
Contudo, há que reconhecer, a nível histórico, estamos regredindo mas a tempo de recuperar alguns monumentos que constituem a pedra de toque deste grande edifício que é a ilha do Sal. Um exemplo paradigmático do desaparecimento de vestígios histó-ricos locais é o majestoso farol de Fiúra em ruínas. O desaparecimento lento e agonia-do das salinas de Santa Maria espelham a irresponsabilidade e o completo abandono por parte de quem de direito, favorecendo o enriquecimento fácil; as salinas de Pedra de Lume, que são sem dúvida um património inigualável na história de Cabo Verde, pelo seu esplendoroso passado e pela sua actual exuberância, corre o risco de ter o mesmo destino das suas irmãs do sul da ilha. Em Santa Maria, a casa onde morou o fundador da Ilha ainda está lá mas não sabemos por quanto tempo – aos poucos vai desaparecendo num lento e doloroso silêncio à espera que alguém se lembre que foi a partir daquela casa – a casa de Manuel António Martins – que a história do povoamento da ilha começou a ser escrita.
Quero terminar este artigo citando um dos grandes vultos da música cabo-verdiana, rendendo a minha homenagem à ilha e ao autor, Tchinôa:
Ó Dja Sal,
Onte bo foi terra de gente castigod
Hoje bo é terra de gente bem penteod
Que bem na bo ca ta largob!
sábado, 21 de agosto de 2010
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
PRIMEIRO CAPITULO DO LIVRO MARGINAIS:
Na ruela poeirenta e monótona, com os pés ruços e descalços, descansá-vamos de uma extenuante partida de futebol sob o sol abrasador do meio-dia. Meu dedão do pé direito estortegado parecia não responder à vontade de correr um pouco mais atrás da bola. Todos os dias, durante toda a minha infância, ser-víamo-nos da tranquilidade da rua para dar vazão ao imaginário do nosso pequeno mundo. Entre brigas e gracejos, mordendo a poeira, entre vaias e aplausos, esfolando a pele acobreada, enfim, conseguíamos empurrar a bola para dentro da baliza de pedras. Batíamos como autênticos heróis. O momento mais sublime do jogo era sempre interrompido com o brado da mamãe a chamar-me para os afazeres de casa. Apesar dos resmungos e protestos, lá ia eu responder à chamada. Meu irmão mais velho trabalhava como ajudante de mecânico e eu estudava à tarde na escola primária da Escola Nova. Antes dos jogos, tinha de ajudar em casa, estudar e limpar o chiqueiro e só depois estaria liberado para alimentar o meu sonho de ser uma grande estrela de futebol. Eu não era menino de um sonho mas de muitos sonhos. Mamãe tinha seu sonho também: queria que eu fosse advogado para meter meu pai na cadeia e casar com a filha do doutor Apolinário. Era difícil para mim conjugar estes dois sonhos, o de estrela de futebol e advogado, por isso tinha de caprichar nos dribles e de me pendurar nos livros. De pés descalços, com os calções remendados, grosseiramente, e uma camisola, que só despia quando estivesse solapada de suor e terra, eu farejava a bola onde ela estivesse. Meu pai era pedreiro do tipo que só voltava ao trabalho depois de gastar o último centavo. Quando tinha dinheiro no bolso, chutava tudo o que lhe aparecia à frente, mandava bocas e desaparecia por uns dias, porém, quando regressava à casa, vinha com aquela cara de órfão desconsolado, esmolando a compaixão da minha mãe que lhe satisfazia todas as suas vontades. Mamãe ganhava a vida como lavadeira. As pessoas traziam suas trouxas acompanhadas de uma lista com o nome de cada peça de roupa e, enquanto mamãe lavava, eu pendurava-as no estendal ou secava-as no chão de cascalho atrás da casa. No fim do dia, recolhíamos as roupas e averiguávamos peça por peça para ver se não faltava nada, antes de entregá-las ao dono. Ela mal sabia ler e escrever. Eu tinha de soletrar o nome das mudas de roupa e, em compensação, ela tecia-me rasgados elogios, É assim mesmo, meu doutorzinho, agora vai estudar um pouco, enquanto entrego essa trouxa. Ela saía pela porta de frente e eu escapulia-me pelo portão para jogar futebol. Jogar é muito mais prazeroso que estudar e os craques ganham mais! As sovas que levava não me doíam tanto quanto o choro da mamãe ao lamentar as desilusões da vida, a frus-trante tarefa de lavadeira mal remunerada e sem tempo para assentar o fogão. Quando não havia roupa para lavar, ela vendia botijas de água à vizinhança. Mamãe lavava roupa de gente fina e, na hora da entrega, recebia o dinheiro, ajuntava as sobras de comida e levava para casa. Calhava-me uma perna de frango quase desnudada, enchia as mãos de batatas fritas frias e encortiçadas, um pedaço de bife meio mastigado, pães dormidos (mesmo cansados de dor-mir!), cocorotas de arroz temperado e fazíamos a nossa festa como se fosse a celebração da segunda vinda de Cristo!
Relembrar os momentos de dificuldades provoca-me um nó na garganta. Na verdade, eu nunca dobrei o cabo das tormentas. Mamãe chegou ao ponto de ferver milho de segunda e metia dentro da panela um pedaço de osso de vaca que guardava só para dar gosto à comida. Era difícil para mim engolir aqueles grãos. Vai fazer algum mandado na casa de Nha Cacilda ou ajuntar o lixo da loja de TiFranco, eles sempre te dão alguma coisa de comer. Eu cá me arranjo, dizia mamãe, resignada à pobreza.
A rua onde nasci e cresci era de terra solta e ferros velhos, crateras onde se amontoavam lixos varridos pelo vento e poças de água de esfregadura mistu-rada com urina que as mulheres despejavam na calada da noite. Por falar em água podre, lembro-me de uma discussão entre uma dona de casa e um vian-dante que levou com um balde de água suja em cima e este chamou de porca à mulher, que se desculpou, dizendo que a água era limpinha, limpinha. Pois, se é tão limpinha porque é que não a deitaste no pote?, retrucou o estouvado. Eu morava na rua de frente e só agora vim a saber que se chamava Rua São João. Ela era o nosso campo de futebol e, à noite, transformava-se no parque infantil dos meninos da zona: brincávamos de roda, de ferro-quente, de trinta-e-um e de casamento-inglês. Um pouco mais à frente, ficava o fundo de Catrapil, uma espécie de um universo à parte: ali se concentrava o lixo de todos os bairros vizinhos. Ouvíamos dizer que o lixo era prejudicial à saúde, que tinha doenças infecciosas, mas era nesse fundo que encontrávamos os nossos brinquedos. Para nós, fundo de Catrapil era um parque de diversões. Qualquer pedaço de madeira ou aparelho avariado transformava-se numa invenção extraordinária. A lixeira tinha múltiplas utilidades. Ao contrário dos meninos de Lomba Branca e do Morro Curral, os nossos brinquedos não eram coloridos, não tinham luzes e não eram telecomandados, mas isso não representava nada diante da nossa imaginação: um pedaço de pau flutuando nas poças de água escura transformava-se num extraordinário cruzeiro singrando o imenso azul do oceano, um cabide quebrado poderia ser uma espingarda de caça ou um volante de uma mota altamente modernizada, os montes de latas velhas, caixotes e garrafas eram prédios que cediam à força das granadas das nossas armas, que na realidade eram pedras que atirávamos para perseguir as ratazanas, os extraterrestres que invadiam a terra e ameaçavam transformar-nos em escravos. Tinham de ser destruídos. Teimosamente, soubemos sobreviver à desigualdade que havia entre nós e os filhos de pais abastados, contudo, na nossa adolescência e juventude não soubemos superar essa mesma desigualdade.
Todos os dias, eu tinha de levantar cedo para ir à padaria de Loja Nova, e colocar-me na longa fila para comprar dez pães de trigo. Às vezes, quando con-seguia subtrair algumas moedas da carteira do meu irmão, comprava doze e comia os dois pelo caminho, pois, o almoço era incerto. Nha Ludevina costumava chamar-me para varrer-lhe a varanda e lavar pratos em troca de um apetitoso prato de cachupa guisada. Eu fazia os trabalhos com a maior satisfação e, por vezes, ela enchia-me os bolsos de rebuçados. Um dia, expulsou-me de vez da sua casa ao descobrir que eu andava a furtar os ovos de manhã e, à tarde, lhe batia à porta para lhos vender. Eu achava que Nha Ludevina tinha sido injusta comigo; numa capoeira com cerca de vinte ovos, eu apenas furtava três ou quatro. Desaforado como eu era, passei a furtar e a vender os ovos todos na loja de TiFranco.
Uma vez, passei cerca de duas horas e meia agachado à espera que uma galinha de pescoço pelado pusesse um ovo. Foi o parto mais longo que presen-ciei na minha infância. Eu precisava do ovo. Eu tinha passado a manhã inteira sem comer nada e a estúpida da galinha prolongava a minha desgraça. O almoço sairia por volta das três da tarde e, quase sempre, era um arroz branco dis-farçado com alguns grãos de feijão ou uma canja com sumo de galinha. Petisco era coisa de gente rica.
Mamãe andava à procura de alguém para preencher alguns documentos que recebera do estrangeiro. Sérgio, estou pensando em emigrar para Itália. A vida está difícil e é a única forma de te ajudar a terminar os estudos. Hás-de ser um grande advogado, um homem de respeito como o doutor Apolinário. Não me importo de me esfolar na casa dos outros para te fazer um homem de amanhã!, disse-me. As suas palavras húmidas revelavam as espessas névoas de sofrimento, um areal de angústias e desassossego que corroíam a sua alma. Mamãe era jovem, o corpo seco e ossudo aparentava o dobro da idade que tinha. Como eu queria falar para ela não se incomodar! No futuro havia de lhe dar tudo o que não teve direito, havia de lhe encher de coisas lindas e caras, seria um grande futebolista e um ilustre advogado, compraria um casarão só para ela e colocaria meu pai numa cadeia de prata!
Papai deixou-nos pouco antes do meu sétimo aniversário. Mamãe gostava muito dele. Era capaz de qualquer sacrifício para segurar o seu homem, contudo, meu pai, um mulherengo de bolsos rotos e parodista inveterado, um boémio a tempo inteiro, não era de se contentar com a vida sedentária. Ela ia buscá-lo nos botequins, arrastava-o pelo colarinho, batia à porta da casa das amantes para arrancá-lo do divã da infidelidade, acendia velas a Santo António na esperança de conseguir a ventura do casamento, mas nada lhe saía de feição. Nha Maria do Monte, uma curiosa lá do bairro, ensinou-lhe um truque para amarrar marido: mamãe despiu as cuecas e o soutien, meteu-os numa panela com água a ferver, pegou em algumas barbas de milho, esfregou-as intensamente no sovaco e entre as pernas, na sua intimidade, e colocou-as na panela. Depois de um bom ferver, dás ao Dadejo este chá milagroso, disse Nha Maria. Era necessário esperar dois meses, mas dois meses representavam uma eternidade e mamãe teve de suplicar à comadre que lhe desse algo que fosse mais rápido.
Não te preocupes, Rosário, disse Nha Maria do Monte, Sei de uma coisa que vai deixar-te com a boca aberta. É dar e pegar: tira essa mixórdia que tens vestido, toma um banho de perfume para purificar o corpo, traz uma fotografia de corpo inteiro com tua imagem e a do Dadejo e um tubo de linha. Vais ter de recitar esta oração de São Truculento trezentas e trinta e três vezes. Não sabes ler direito, mas Sérgio sabe, portanto, ele vai ajudar-te. Enquanto rezas, vais enrolando a linha à volta da fotografia consumando a vossa união. Antes de dizeres «amén», Dadejo estará à tua frente a chamar-te de meu amor.
Mamãe fez tudo direito. Rezava e enrolava a linha, mas sempre com os olhos espertos numa dança frenética entre a porta, o santo e a fotografia. Antes de dizer amén, papai entrou e disse: oi, amor!, olhou para ela, nua e perfumada, maneou a cabeça: mulheres! Rosário, vou-me embora com Virgínia para Boa Vis-ta. Cuidado para não apanhares um resfriado.
Desde aquele dia mamãe parecia ter acumulado todo o ódio deste e de outro mundo por aquele ingrato, mas, apesar de tudo e por longos meses, ela ia todos os fins-de-semana para a praia de Shell fazer o remédio que a curiosa lhe tinha ensinado: Quando chegares à praia de mar, joga três punhados de sal e, a cada punhado que botares, ficas a observar atentamente o sal a desfazer-se na água, enquanto dizes: «Assim como o sal se desmancha na água, o amor de Dadejo e de Virgínia se desmanchará!» Se o amor dos dois acabou não sei, mas o certo é que nunca mais ouvi falar de papai.
Na ruela poeirenta e monótona, com os pés ruços e descalços, descansá-vamos de uma extenuante partida de futebol sob o sol abrasador do meio-dia. Meu dedão do pé direito estortegado parecia não responder à vontade de correr um pouco mais atrás da bola. Todos os dias, durante toda a minha infância, ser-víamo-nos da tranquilidade da rua para dar vazão ao imaginário do nosso pequeno mundo. Entre brigas e gracejos, mordendo a poeira, entre vaias e aplausos, esfolando a pele acobreada, enfim, conseguíamos empurrar a bola para dentro da baliza de pedras. Batíamos como autênticos heróis. O momento mais sublime do jogo era sempre interrompido com o brado da mamãe a chamar-me para os afazeres de casa. Apesar dos resmungos e protestos, lá ia eu responder à chamada. Meu irmão mais velho trabalhava como ajudante de mecânico e eu estudava à tarde na escola primária da Escola Nova. Antes dos jogos, tinha de ajudar em casa, estudar e limpar o chiqueiro e só depois estaria liberado para alimentar o meu sonho de ser uma grande estrela de futebol. Eu não era menino de um sonho mas de muitos sonhos. Mamãe tinha seu sonho também: queria que eu fosse advogado para meter meu pai na cadeia e casar com a filha do doutor Apolinário. Era difícil para mim conjugar estes dois sonhos, o de estrela de futebol e advogado, por isso tinha de caprichar nos dribles e de me pendurar nos livros. De pés descalços, com os calções remendados, grosseiramente, e uma camisola, que só despia quando estivesse solapada de suor e terra, eu farejava a bola onde ela estivesse. Meu pai era pedreiro do tipo que só voltava ao trabalho depois de gastar o último centavo. Quando tinha dinheiro no bolso, chutava tudo o que lhe aparecia à frente, mandava bocas e desaparecia por uns dias, porém, quando regressava à casa, vinha com aquela cara de órfão desconsolado, esmolando a compaixão da minha mãe que lhe satisfazia todas as suas vontades. Mamãe ganhava a vida como lavadeira. As pessoas traziam suas trouxas acompanhadas de uma lista com o nome de cada peça de roupa e, enquanto mamãe lavava, eu pendurava-as no estendal ou secava-as no chão de cascalho atrás da casa. No fim do dia, recolhíamos as roupas e averiguávamos peça por peça para ver se não faltava nada, antes de entregá-las ao dono. Ela mal sabia ler e escrever. Eu tinha de soletrar o nome das mudas de roupa e, em compensação, ela tecia-me rasgados elogios, É assim mesmo, meu doutorzinho, agora vai estudar um pouco, enquanto entrego essa trouxa. Ela saía pela porta de frente e eu escapulia-me pelo portão para jogar futebol. Jogar é muito mais prazeroso que estudar e os craques ganham mais! As sovas que levava não me doíam tanto quanto o choro da mamãe ao lamentar as desilusões da vida, a frus-trante tarefa de lavadeira mal remunerada e sem tempo para assentar o fogão. Quando não havia roupa para lavar, ela vendia botijas de água à vizinhança. Mamãe lavava roupa de gente fina e, na hora da entrega, recebia o dinheiro, ajuntava as sobras de comida e levava para casa. Calhava-me uma perna de frango quase desnudada, enchia as mãos de batatas fritas frias e encortiçadas, um pedaço de bife meio mastigado, pães dormidos (mesmo cansados de dor-mir!), cocorotas de arroz temperado e fazíamos a nossa festa como se fosse a celebração da segunda vinda de Cristo!
Relembrar os momentos de dificuldades provoca-me um nó na garganta. Na verdade, eu nunca dobrei o cabo das tormentas. Mamãe chegou ao ponto de ferver milho de segunda e metia dentro da panela um pedaço de osso de vaca que guardava só para dar gosto à comida. Era difícil para mim engolir aqueles grãos. Vai fazer algum mandado na casa de Nha Cacilda ou ajuntar o lixo da loja de TiFranco, eles sempre te dão alguma coisa de comer. Eu cá me arranjo, dizia mamãe, resignada à pobreza.
A rua onde nasci e cresci era de terra solta e ferros velhos, crateras onde se amontoavam lixos varridos pelo vento e poças de água de esfregadura mistu-rada com urina que as mulheres despejavam na calada da noite. Por falar em água podre, lembro-me de uma discussão entre uma dona de casa e um vian-dante que levou com um balde de água suja em cima e este chamou de porca à mulher, que se desculpou, dizendo que a água era limpinha, limpinha. Pois, se é tão limpinha porque é que não a deitaste no pote?, retrucou o estouvado. Eu morava na rua de frente e só agora vim a saber que se chamava Rua São João. Ela era o nosso campo de futebol e, à noite, transformava-se no parque infantil dos meninos da zona: brincávamos de roda, de ferro-quente, de trinta-e-um e de casamento-inglês. Um pouco mais à frente, ficava o fundo de Catrapil, uma espécie de um universo à parte: ali se concentrava o lixo de todos os bairros vizinhos. Ouvíamos dizer que o lixo era prejudicial à saúde, que tinha doenças infecciosas, mas era nesse fundo que encontrávamos os nossos brinquedos. Para nós, fundo de Catrapil era um parque de diversões. Qualquer pedaço de madeira ou aparelho avariado transformava-se numa invenção extraordinária. A lixeira tinha múltiplas utilidades. Ao contrário dos meninos de Lomba Branca e do Morro Curral, os nossos brinquedos não eram coloridos, não tinham luzes e não eram telecomandados, mas isso não representava nada diante da nossa imaginação: um pedaço de pau flutuando nas poças de água escura transformava-se num extraordinário cruzeiro singrando o imenso azul do oceano, um cabide quebrado poderia ser uma espingarda de caça ou um volante de uma mota altamente modernizada, os montes de latas velhas, caixotes e garrafas eram prédios que cediam à força das granadas das nossas armas, que na realidade eram pedras que atirávamos para perseguir as ratazanas, os extraterrestres que invadiam a terra e ameaçavam transformar-nos em escravos. Tinham de ser destruídos. Teimosamente, soubemos sobreviver à desigualdade que havia entre nós e os filhos de pais abastados, contudo, na nossa adolescência e juventude não soubemos superar essa mesma desigualdade.
Todos os dias, eu tinha de levantar cedo para ir à padaria de Loja Nova, e colocar-me na longa fila para comprar dez pães de trigo. Às vezes, quando con-seguia subtrair algumas moedas da carteira do meu irmão, comprava doze e comia os dois pelo caminho, pois, o almoço era incerto. Nha Ludevina costumava chamar-me para varrer-lhe a varanda e lavar pratos em troca de um apetitoso prato de cachupa guisada. Eu fazia os trabalhos com a maior satisfação e, por vezes, ela enchia-me os bolsos de rebuçados. Um dia, expulsou-me de vez da sua casa ao descobrir que eu andava a furtar os ovos de manhã e, à tarde, lhe batia à porta para lhos vender. Eu achava que Nha Ludevina tinha sido injusta comigo; numa capoeira com cerca de vinte ovos, eu apenas furtava três ou quatro. Desaforado como eu era, passei a furtar e a vender os ovos todos na loja de TiFranco.
Uma vez, passei cerca de duas horas e meia agachado à espera que uma galinha de pescoço pelado pusesse um ovo. Foi o parto mais longo que presen-ciei na minha infância. Eu precisava do ovo. Eu tinha passado a manhã inteira sem comer nada e a estúpida da galinha prolongava a minha desgraça. O almoço sairia por volta das três da tarde e, quase sempre, era um arroz branco dis-farçado com alguns grãos de feijão ou uma canja com sumo de galinha. Petisco era coisa de gente rica.
Mamãe andava à procura de alguém para preencher alguns documentos que recebera do estrangeiro. Sérgio, estou pensando em emigrar para Itália. A vida está difícil e é a única forma de te ajudar a terminar os estudos. Hás-de ser um grande advogado, um homem de respeito como o doutor Apolinário. Não me importo de me esfolar na casa dos outros para te fazer um homem de amanhã!, disse-me. As suas palavras húmidas revelavam as espessas névoas de sofrimento, um areal de angústias e desassossego que corroíam a sua alma. Mamãe era jovem, o corpo seco e ossudo aparentava o dobro da idade que tinha. Como eu queria falar para ela não se incomodar! No futuro havia de lhe dar tudo o que não teve direito, havia de lhe encher de coisas lindas e caras, seria um grande futebolista e um ilustre advogado, compraria um casarão só para ela e colocaria meu pai numa cadeia de prata!
Papai deixou-nos pouco antes do meu sétimo aniversário. Mamãe gostava muito dele. Era capaz de qualquer sacrifício para segurar o seu homem, contudo, meu pai, um mulherengo de bolsos rotos e parodista inveterado, um boémio a tempo inteiro, não era de se contentar com a vida sedentária. Ela ia buscá-lo nos botequins, arrastava-o pelo colarinho, batia à porta da casa das amantes para arrancá-lo do divã da infidelidade, acendia velas a Santo António na esperança de conseguir a ventura do casamento, mas nada lhe saía de feição. Nha Maria do Monte, uma curiosa lá do bairro, ensinou-lhe um truque para amarrar marido: mamãe despiu as cuecas e o soutien, meteu-os numa panela com água a ferver, pegou em algumas barbas de milho, esfregou-as intensamente no sovaco e entre as pernas, na sua intimidade, e colocou-as na panela. Depois de um bom ferver, dás ao Dadejo este chá milagroso, disse Nha Maria. Era necessário esperar dois meses, mas dois meses representavam uma eternidade e mamãe teve de suplicar à comadre que lhe desse algo que fosse mais rápido.
Não te preocupes, Rosário, disse Nha Maria do Monte, Sei de uma coisa que vai deixar-te com a boca aberta. É dar e pegar: tira essa mixórdia que tens vestido, toma um banho de perfume para purificar o corpo, traz uma fotografia de corpo inteiro com tua imagem e a do Dadejo e um tubo de linha. Vais ter de recitar esta oração de São Truculento trezentas e trinta e três vezes. Não sabes ler direito, mas Sérgio sabe, portanto, ele vai ajudar-te. Enquanto rezas, vais enrolando a linha à volta da fotografia consumando a vossa união. Antes de dizeres «amén», Dadejo estará à tua frente a chamar-te de meu amor.
Mamãe fez tudo direito. Rezava e enrolava a linha, mas sempre com os olhos espertos numa dança frenética entre a porta, o santo e a fotografia. Antes de dizer amén, papai entrou e disse: oi, amor!, olhou para ela, nua e perfumada, maneou a cabeça: mulheres! Rosário, vou-me embora com Virgínia para Boa Vis-ta. Cuidado para não apanhares um resfriado.
Desde aquele dia mamãe parecia ter acumulado todo o ódio deste e de outro mundo por aquele ingrato, mas, apesar de tudo e por longos meses, ela ia todos os fins-de-semana para a praia de Shell fazer o remédio que a curiosa lhe tinha ensinado: Quando chegares à praia de mar, joga três punhados de sal e, a cada punhado que botares, ficas a observar atentamente o sal a desfazer-se na água, enquanto dizes: «Assim como o sal se desmancha na água, o amor de Dadejo e de Virgínia se desmanchará!» Se o amor dos dois acabou não sei, mas o certo é que nunca mais ouvi falar de papai.
MARGINAIS
Gostaria de mostrar minha simpatia por todos aqueles que estiveram aquando do apresentação do meu último livro MARGINAIS.
Conto publicar imagens do evento brevemente.
MARGINAIS é um livro que fala da vivência salense na perspectiva de um jovem marginal, como ele mesmo se intitula.
A TCV e a Rádio de Cabo Verde noticiou o evento de seguinte forma:
O Salão Nobre da Câmara Municipal do Sal acolhe no dia 29 de Julho, pelas 18h00, a cerimónia de lançamento do Livro MARGINAIS, da autoria do autor Evel Rocha (pseudónimo de Ildo José Rocha).
Numa mescla de realidade e ficção, Evel Rocha, numa inquietante radicalidade, propõe uma viagem ao pequeno mundo dos bairros salenses, arrastando o leitor para um turbilhão de imagens e sentidos que reflectem a pobreza e marginalidade vivida por um grupo de jovens, confrontados pela lei e pelos valores sociais.
Nascido na Ribeira Funda, ilha do Sal onde cresceu e estudou. Terminou os estudos liceais em S. Vicente, ingressou para o Seminário Nazareno onde estudou Teologia. Depois de alguns anos de trabalho como pastor e professor secundário, fez a graduação em Psicologia Educacional pelo IESIG. Estudou o Mestrado em Supervisão Pedagógica pela Universidade da Beira Interior (2007) e Psicologia (Couseling, 2009) pela East Boston College em Boston; em 2010, terminou a pós graduação em Desenvolvimento Local e Comunitário.
Para além de Marginais, é autor dos livros Versos d`Alma (1997) e Estátuas de Sal (2003).
Conto publicar imagens do evento brevemente.
MARGINAIS é um livro que fala da vivência salense na perspectiva de um jovem marginal, como ele mesmo se intitula.
A TCV e a Rádio de Cabo Verde noticiou o evento de seguinte forma:
O Salão Nobre da Câmara Municipal do Sal acolhe no dia 29 de Julho, pelas 18h00, a cerimónia de lançamento do Livro MARGINAIS, da autoria do autor Evel Rocha (pseudónimo de Ildo José Rocha).
Numa mescla de realidade e ficção, Evel Rocha, numa inquietante radicalidade, propõe uma viagem ao pequeno mundo dos bairros salenses, arrastando o leitor para um turbilhão de imagens e sentidos que reflectem a pobreza e marginalidade vivida por um grupo de jovens, confrontados pela lei e pelos valores sociais.
Nascido na Ribeira Funda, ilha do Sal onde cresceu e estudou. Terminou os estudos liceais em S. Vicente, ingressou para o Seminário Nazareno onde estudou Teologia. Depois de alguns anos de trabalho como pastor e professor secundário, fez a graduação em Psicologia Educacional pelo IESIG. Estudou o Mestrado em Supervisão Pedagógica pela Universidade da Beira Interior (2007) e Psicologia (Couseling, 2009) pela East Boston College em Boston; em 2010, terminou a pós graduação em Desenvolvimento Local e Comunitário.
Para além de Marginais, é autor dos livros Versos d`Alma (1997) e Estátuas de Sal (2003).
quarta-feira, 14 de abril de 2010
Deitados: Henrique Rendall (Djica), Atrás do Henrique está Adelino (TioLino), Ildo Rocha (dida), João Palavra (Pimpas), Élida Brito, Júlio Fortes (Djula).
Sentados: Gilda, Júlia ^Spencer (Djudju), Elsa Morais, Helder Ribeiro (Becas), Libéria Brito, Orlando de S. Nicolau, Higino de S. Nicolau, Peres Brito.
De pé: Julio fortes (Konga), José Fortes (Djoi), Augusto Nelson (Gustim) e o nosso amigo cujo o nome não me lembro.
as dua fotos foram tiradas em Algodoeiro ( o saudoso lugar de retiro)
Esta foto foi tirada durante um passeio dos Alunos do 1º Ano do curso geral (classe de 1981).
estas são fotos dos tempos do Externato de Lomba Branca que hoje se transformou em EPS
Toi Latinha - meteorologista. Dida - psicologo, Gustin - funcionário da ASA, Elsa - psicologa(sentados no banco da praça)
Nelson - emigrante EUA, Jaime - Bom Dia, Henrique - engenheiro, Rito - engenheiro, Orlando - S. Nicolau, Djuca - PJ (sentados no muro da praça) - se alguem souber quem são os dois não identificados por favor diz-nos!
quarta-feira, 7 de abril de 2010
ACONTECEU
Ilkka Rocha, a mais jovem actriz, representando as crianças salenses
O homem do campo, o pedreiro e salineiro representado em grande estilo
o formador e uma das típicas figuras do nosso dia a dia: a viúva, a terceira idade, uma homenagem ao dia da mulher cabo-verdiana
panorâmica da representação Estatuas de Sal em Espargos
DURANTE O MÊS DE MARÇO, A ILHA DO SAL REGISTOU UMA MOVIMENTAÇÃO DIFERENTE. GRUPOS DE TEATRO LOCAIS ESTIVERAM ENVOLVIDOS NO PROJECTO «ESTÁTUAS DE SAL». ESTE PROJECTO TINHA COMO OBJECTIVO DINAMIZAR O TEATRO NA ILHA E SENSIBILIZAR AS PESSOAS PELA ARTE DE ENCENAÇÃO.
GRUPOS COMO «APOCALIPSE», ORION, OLAVO MONIZ, DJA D´SAL E JUVENTUDE EM MARCHA DA PARÓQUIA LOCAL PARTICIPARAM NA QUADRA TEATRAL.
NO DIA 22 DE MARÇO, DEU-SE ABERTURA AO PROJECTO «ESTÁTUAS DE SAL» QUE TINHA COMO PROPÓSITO FORMAÇÃO DE JOVENS ARTISTAS NO ÃMBITO DE TEATRO DIRIGIDO PELO GRUPO «BOLAS!» DE SÃO VICENTE. FOI UMA SEMANA DE FORMAÇÃO E REPRESENTAÇÃO QUE CULMINOU COM UMA EXPOSIÇÃO PÚBLICA DE ESTÁTUAS VIVAS QUE FOI UM SUCESSO COMO TESTEMUNHAM AS IMAGENS ANEXADAS.
O homem do campo, o pedreiro e salineiro representado em grande estilo
o formador e uma das típicas figuras do nosso dia a dia: a viúva, a terceira idade, uma homenagem ao dia da mulher cabo-verdiana
panorâmica da representação Estatuas de Sal em Espargos
DURANTE O MÊS DE MARÇO, A ILHA DO SAL REGISTOU UMA MOVIMENTAÇÃO DIFERENTE. GRUPOS DE TEATRO LOCAIS ESTIVERAM ENVOLVIDOS NO PROJECTO «ESTÁTUAS DE SAL». ESTE PROJECTO TINHA COMO OBJECTIVO DINAMIZAR O TEATRO NA ILHA E SENSIBILIZAR AS PESSOAS PELA ARTE DE ENCENAÇÃO.
GRUPOS COMO «APOCALIPSE», ORION, OLAVO MONIZ, DJA D´SAL E JUVENTUDE EM MARCHA DA PARÓQUIA LOCAL PARTICIPARAM NA QUADRA TEATRAL.
NO DIA 22 DE MARÇO, DEU-SE ABERTURA AO PROJECTO «ESTÁTUAS DE SAL» QUE TINHA COMO PROPÓSITO FORMAÇÃO DE JOVENS ARTISTAS NO ÃMBITO DE TEATRO DIRIGIDO PELO GRUPO «BOLAS!» DE SÃO VICENTE. FOI UMA SEMANA DE FORMAÇÃO E REPRESENTAÇÃO QUE CULMINOU COM UMA EXPOSIÇÃO PÚBLICA DE ESTÁTUAS VIVAS QUE FOI UM SUCESSO COMO TESTEMUNHAM AS IMAGENS ANEXADAS.
sábado, 27 de março de 2010
MULHERES, AVÓ, MÃE, FILHA,
Cada ruga tua representa uma história
E são tantas…
Quantas experiências…
Quantas histórias para contar…
Quantos conselhos para dar…
Quanta paciência para nos suportar…
Esquecem a sua vida, para viverem a nossa
Sempre cheias de atenção,
De carinho,
De amor.
Uma advogada na nossa vida
Mediadora nas nossas decisões
Você é o meio termo…
O equilíbrio…
A palavra de esperança
O colo que aninha
O ombro que apesar de cansado… apóia
O olhar de complacência
O oásis da segurança que aplaca a sede
E alimenta o corpo
Você é tudo de bom e de belo
Minha avó querida.
Autor: Sandra Mamede
quinta-feira, 25 de março de 2010
AQUI DEIXO UMA HOMENAGEM ÀS MULHERES DA TERCEIRA IDADE DA NOSSA QUERIDA ILHA DO SAL. CADA RUGA REPRESENTA UMA HISTORIA DE SACRIFICIO E DE CORAGEM -
ROSTOS ANÓNIMOS QUE AJUDAR ESTA ILHA A CRESCER, COLOCANDO, À SUA MANEIRA, PEDRA POR PEDRA, MISTURANDO SUOR E LÁGRIMAS. ALGUMAS COM SOTAQUE SANICLAUENSE, UM CATCHIPARLÔA ACALORADO QUE NOS ENCHE DE ORGULHO, OUTRAS COM SOTAQUE SANTANTONENSE E OUTRAS NO SEU «BADIU DI FORA» MAS TODAS DEIXARAM AS SUAS MARCAS INDELÉVEIS NESTE TORRÃO QUE TANTO AMAMOS. OBRIGADO MULHERES, PELO LEGADO QUE NÃO VÃO DEIXANDO.
sexta-feira, 19 de março de 2010
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
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