segunda-feira, 11 de abril de 2011

Alguém se lembra de Poço Verde? Localizado a caminho de Pedra de Lume, cerca de quatro quilómetros de Espargos, Poço Verde era o ponto de referência da ilha por ser o único poço de água que servia para beber, apesar do gosto salobro.

Com aproximadamente dezoito metros de profundidade, a água era bombeada por um moinho de vento que por sua vez a depositava num tanque onde o precioso líquido era vendido por um preço módico por barril. Apesar da distância e do sol obstinado, Poço Verde era um regalo para qualquer jovem e marcou a geração dos anos sessenta e setenta. O barril de água era um meio de transporte mas acima de tudo o brinquedo de sonho para qualquer jovem salense. A ilha, por ser muito árida, a escassez de água

era o principal problema; chegava-se a importar botijas de água das outras ilhas e, em tempos idos, os pilotos italianos da LATI traziam garrafões de água como encomenda para os que ficavam em terra. O barril chegou ao Sal pelas mãos dos militares portugueses, apreciadores do vinho; depois de vazios eram doados aos locais que, na sua argúcia de driblar o destino, transformavam-nos em meios de transporte de água; à volta do barril colocava-se duas cintas de pneus que serviam de rodas e uma tranca de madeira em cada base onde se encaixava o volante de ferro que servia para empurrar ou puxar à moda de TiCarlos.

Carregar água do Poço Verde era muito mais que um trabalho, era uma aventura festiva. Aquilo que a priori poderia ser considerado um trabalho árduo transformou-se em arte: às quatro de madrugada, ouvia-se o rolar dos barris e a vozearia da rapaziada que começava na Preguiça e terminava em Chã de Matias chamando uns pelos outros para a grande concentração. A terra puída e solta levantava-se em algazarra pintando a atmosfera de um castanho cor de café-com-leite, enquanto os heróicos «velocistas», com os pés descalços, corriam esbaforidos os quilómetros de estrada num reboliço esfusiante. O objectivo era a louca corrida de barril para ver quem chegava primeiro. O prémio era a simples satisfação de chegar à frente e conquistar a admiração dos outros. Não é difícil imaginar o que ia na cabeça daqueles jovens demarcados pela pobreza que os rodeava mas conscientes de que a criatividade era e continua a ser uma exigência para superar as limitações.

O caminho de Poço Verde tinha encantos. Enquanto os mais velhos gladiavam-se com o barril, nós, os mais novos, pendíamos à descoberta de ninhos de pardal. Toi Ninha era a «sentinela» do poço; pequeno do tamanho de uma tampinha mas com o coração grande. Entre resmungos e lamentos acabava sempre por consentir que a malandragem tomasse banho de graça.

Havia exímios barrilistas: acrobatas que faziam piruetas e malabares sobre o barril em movimento, transformando o trabalho árduo em pura diversão. Entre muitos, está o Quim de Jona Tatana que fazia pino e dava saltos-mortais enquanto conduzia o seu brinquedo.

Não tendo os recursos que nós temos hoje, os jovens da era do Poço Verde souberam tirar proveito da sua criatividade e superar as limitações. Precisamos regressar às nossas origens e não deixar que outros pensem por nós. Sejamos o designer da nossa própria existência!

Sem comentários: