quinta-feira, 7 de abril de 2011

SALINEIROS DE CORAÇÃO XII - A REALIDADE SOCIAL




Há quem diga que Cabo Verde sempre viveu em crise por ser um país que pouco produz e vive de ajudas internacionais.

Gastamos mais do que aquilo que produzimos, a nossa exportação é demasiadamente baixa em relação ao que importamos. Não tenho dúvidas que a ilha do Sal é a principal vítima desta famigerada crise sem precedentes. Essa crise económica que vem levando os jovens ao desemprego e o aumento das desigualdades sociais, leva-nos a acreditar que estamos afundando numa crise social sem precedentes.

O encerramento de alguns hotéis e restaurantes, a paralisação sine die de uma boa parte das construções ligadas à infra-estruturação turística nos alertam a uma rápida intervenção que deveria ter iniciado em 2007.

O desemprego está a atingir os limites do tolerável. Há que ter em conta que a maior parte dos jovens que vem de outras ilhas, com o agravante da desenfreada imigração de mão-de-obra barata da costa ocidental africana, ocupa os chamados empregos precários e mal remunerados. A situação é mesmo dramática. Ao visitarmos os bairros de Espargos e Santa Maria, passando por Pedra de Lume e Palmeira, sem querer assacar responsabilidade a ninguém, não podemos ficar indiferentes aos rostos carregados de desalento, chefes de família de braços cruzados expectantes ao que poderá acontecer no dia seguinte.

As estatísticas não falam dessa pobreza que está aos olhos de todos, não contabilizam o crescimento de barracas que se multiplicam pelas faldas de Alto São João, Terra Boa, Salina, Vila Verde e Fátima. Por falta de dinheiro para pagar renda numa habitação condigna, jovens vindos de outras ilhas acotovelam-se em moradias superlotadas com todas as consequências que advêm desta situação; adolescentes aventuram-se em relacionamentos amorosos de uma forma inusitada; este estado de coisas, cada vez mais, aumenta a apetência para o lucro fácil que, por sua vez, se resvala para comportamentos desviantes conduzindo-nos a uma inevitável crise moral.



A ilha do Sal está dividida em dois mundos: o mundo daqueles que têm uma vida estável, um emprego de remuneração satisfatória que garante uma estabilidade financeira e o mundo daqueles que sobrevivem como podem; o fosso social que separa estes dois mundos é cada vez mais abismal. As barracas são construídas em zonas onde as autoridades têm pouco controlo e falta quase tudo: não há condições sanitárias e as necessidades básicas para a sobrevivência são praticamente nulas. Em termos estéticos, temos o decrépito cenário de construções onde a cor de ferrugem das barracas pontilham as chãs de terra escalavrada e, no litoral, o cenário de exuberância e luxo dos hotéis que embelezam a cintura dourada das praias animadas de turistas que desconhecem a outra face da ilha habitada ironicamente por alguns empregados que lhes servem no dia-a-dia.

É tempo de agir rapidamente antes que seja tarde demais. Não estamos a referir ao apoio do governo, a panaceia dos problemas imediatos, mas agir de modo a preparar o futuro, atacando os problemas de frente e salvar o que ainda é possível. A crise, em qualquer circunstância deve ser encarada como uma oportunidade para a mudança; deve-se aproveitar desta crise para redesenhar a política que se quer para o turismo na ilha do Sal mas tendo sempre em conta o sistema de protecção social – uma política económica que tenha sempre em primeiro lugar os trabalhadores, os locais.

Esperamos um forte investimento público na Ilha do Sal como forma de atenuar esta crise social com empregos e mais incentivos para negócios start up e auto-emprego.



Evel Rocha / liberal.sapo.cv


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