terça-feira, 24 de maio de 2011
SALINEIROS DE CORAÇÃO (XIX) – O TURISMO E O DESENVOLVIMENTO HUMANO
O turismo na ilha do Sal atingiu o seu ponto de maturação relativamente às outras ilhas. A cintura balneária do sul da ilha ornamentada de resorts e hotéis de luxo, a cidade de Santa Maria com a sua diversidade de restaurantes e lojas, a modernização do aeroporto internacional e outras tantas infra-estruturas não foram acompanhadas com um forte investimento nas pessoas. É urgente um pólo da Escola de Turismo no Sal! Esta escola, do meu ponto de vista, deveria centrar-se na capacitação dos recursos humanos num primeiro momento de modo a garantir a qualidade dos serviços prestados. De entre outras atribuições, segundo Luiz Renato Ignarra (Fundamentos do turismo, 2000) através desta instituição, o Estado de Cabo Verde, estaria garantindo:
- controlo do uso e da conservação do património turístico;
- prestação de serviços de segurança pública;
- desenvolvimento de campanhas de conscientização turística;
- apoio ao desenvolvimento das actividades culturais locais, tais como artesanato, música, folclore, gastronomia típica, desportos náuticos, etc;
- apoio na melhoria e qualidade de vida das populações afectas ao turismo.
Num outro artigo, defendo que uma parte das receitas turísticas (pelo menos 50% das receitas) devem ser canalizadas para melhorar as condições de vida da população de modo a atenuar o impacto do turismo na mudança de vida dos mesmos, na mudança paisagística, na erosão, no sub-emprego, nos loteamentos que violentam o ambiente e na aglomeração do lixo.
Sem dúvida que temos das mais lindas praias do mundo, temos do melhor em matéria de clima, paisagens deslumbrantes mas o nosso maior património é e será sempre as pessoas. Fala-se em preservar as espécies endémicas, em proteger os animais em extinção (que ao longo dos séculos serviram de sustento para muitos cabo-verdianos) e esquece-se da vulnerabilidade duma boa parte da população. Deve-se continuar a apostar na preservação do ambiente mas também criar alternativas àqueles que ao longo da vida dependem dele. Há que reverter a situação ou então viveremos em constante ameaça; daí a necessidade de uma estratégia de desenvolvimento virada para as pessoas de modo que haja um melhor equilíbrio e sentido de justiça.
O desenvolvimento turístico poderá constituir numa agressão aos nativos se estes não virem as suas vidas melhoradas e se sentirem excluídas deste «pacote» de desenvolvimento que se quer. Deve-se evitar a todo custo o estado de assistencialismo instalado e dotar as pessoas de recursos capazes de fazer com eles próprios sejam os autores da sua própria transformação (auto-poiésis) e possam sentir como parte integrante do desenvolvimento sustentável que se quer em torno do turismo. Assim o desenvolvimento turístico deixaria de ser apenas responsabilidade do estado como promotor e os operadores turísticos como os concretizadores, passando a população a fazer parte deste desenvolvimento sustentável na sua dimensão social, afastando de vez a visão fatalista do assistencialismo.
As pessoas são a peça mais importante no complexo desenvolvimento destas ilhas e Sal deverá despontar como um exemplo à semelhança daquilo que acontece com a economia local.
Evel Rocha
Ildo0836@gmail.com
http://poemasdesal.blogspot.com/
quarta-feira, 18 de maio de 2011
Aguarela salense
Aguarela salense
Do sol repenicado
planície amarinhada de suor
sal da terra puída
miragem lunar das eiras nuas
sal que retempera alma
maresia perfumada
grinaldas de ondas em volley
praias douradas E polidas
pontão de colunas seculares
salinas de cristais E sois hexagonais
farol adormecido
terra boa desvairando chuva
murdeira desenhando o sol desnudado
pardais que flauteiam o paraíso
salmoura vulcânica
porto na folhagem da palmeira
pedra de fogo mourejando o feijoal
palha verde ressequida
morro leste, morrinho de açúcar
filhos do monte grande da fiúra agitada
que madama a minha pele parda
espargo de quânticas avenidas
nervura das folhas do meu tronco
praias de versos dourados
cidade da virgem padecente
cerne de línguas irmanadas
não canso de contemplar teu horizonte
vestido com o mais lindo por-do-sol
terça-feira, 3 de maio de 2011
SALINEIROS DE CORAÇÃO (XVIII) – MANUEL ANTÓNIO MARTINS, UMA FIGURA ESQUECIDA
A história é émula do tempo, repositório dos factos,
testemunha do passado, exemplo do presente, advertência do futuro.
Miguel Cervantes, in "Dom Quixote"
Dos comentários publicados em cada artigo que escrevo, quero destacar os desabafos carregados de mágoa e frustração de alguns salineiros que se sentem ultrajados pela forma como a história da ilha vem sendo esquecida e apagada em nome da prosperidade. A Cidade de Santa Maria, o símbolo da identidade salense, e Pedra de Lume, o berço da ilha, são as que mais têm sofrido com isso. Gostaria de me centrar um pouco na história do senhor Conselheiro Manuel António Martins (MAM), a figura de proa destas ilhas e, em particular da ilha do Sal, fundador das duas localidades anteriormente citadas. Segundo rezam as crónicas do século passado, este aventureiro, ao desembarcar na planície do centro-leste da ilha (Pedra de Lume), deslumbrado com a beleza e potencialidades do lago salgado, resolveu explorar aquilo que lhe pareceu uma fonte de riqueza na altura. Surge, então, em Cabo Verde e, quiçá, em todo o domínio português, o PRIMEIRO TÚNEL (1804-1808) que até hoje continua firmemente intacto. Em Santa Maria (1837), este mesmo senhor teve a proeza de construir a PRIMEIRA LINHA-FÉRREA, dezanove anos antes do império português e da África (Enciclopédia Britânica)! Há muitas histórias por contar sobre as condições de vida que se vivia na época. Vieira Botelho da Costa em “A Ilha do Sal de Cabo Verde” (Boletim da Sociedade de Geografia nº 11 de 1882), desperta a nossa imaginação ao descrever o percurso salineiro desde a sua extracção até ao embarque. Antes, tudo era transportado em balaios pelas mulheres que tinham que lutar contra o sol escaldante e a estrada arenosa, contra as lestadas e os resmungos dos capatazes. As vagonetas, quando não havia vento de feição, eram puxadas por mulas. Nhô Ivo Nunes, no seu jeito descontraído, conta que cometeu a proeza de estar envolvido no primeiro «acidente de viação» da ilha no momento em que conduzia uma vagoneta que vinha em «alta velocidade», acabando por bater num automóvel que atravessava a linha férrea – até nisso somos pioneiros! Já agora, puxando do meu orgulho salense, devo relembrar que o PRIMEIRO TELEFÉRICO também foi construído neste chão salgado.
Manuel António Martins precisa ser relembrado mais vezes e o seu nome deverá estar intimamente ligado à história desta ilha e, em particular à bela cidade de Santa Maria. Homem de visão, empreendedor por excelência, político arguto, a sua vida foi entremeada de altos e baixos: da alta esfera social passou a prisioneiro, de herói (empresário de sucesso) passou a perseguido pela lei, para nos últimos anos da sua vida ser reconhecido como Conselheiro do Rei.
Não podemos escamotear a história por mais adversa que ela seja e, em nome da verdade, o nome do senhor MAM precisa constar do roteiro turístico com marcos históricos que invocam as suas realizações. Em 2014 estaremos celebrando os 240 anos do nascimento desta figura emblemática não só do Sal mas de todo o Cabo Verde. Proponho que o ano seja dedicado ao Conselheiro Manuel António Martins e que as actividades sejam centradas na Cidade de Santa Maria onde ainda (até quando?) existe a casa em que ele viveu os melhores anos da sua vida e o túmulo onde repousam os seus ossos.
Evel Rocha
Ildo0836@gmail.com
http://poemasdesal.blogspot.com/
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