segunda-feira, 29 de novembro de 2010

PAULINO VIEIRA, O ETERNO VIOLEIRO





Sexta-feira, 26 de Novembro, o Cine-Asa está apinhado de pessoas, jovens e adultos que de uma forma ordeira, procuram os lugares mais perto do palco. Poucos minutos depois da hora, surge a figura do músico, na sua simplicidade de sempre no vestir e no falar, figura do lavrador que faz da sua guitarra clássica a enxada e semeia a sua mensagem no coração das quinhentas almas que enchem o venerável recinto de espectáculo. O concerto de Paulino Vieira está dividido em duas partes: a primeira, um recital da música tradicional com sua guitarra e a segunda, uma cantata com variações entre o piano e a guitarra clássica. Duas horas e meia de música da melhor qualidade em que o mestre revela toda a sua versatilidade musical como músico, filósofo e poeta!
1. Paulino Vieira, o músico – sentado numa cadeira giratória colocada no alto de uma mesa despida, eis que a música enche a nave que nos transporta ao universo de Paulino e, em cinquenta minutos, vivemos as décadas da nossa história no dedilhar intenso do artista, refinando as notas musicais e, numa harmonia genial, deixa a impressão que há uma orquestra escondida algures que o acompanha! A mesa é um instrumento de percussão que toma a vez de uma bateria de tambores rufando ao ritmo da coladeira ou o funaná ; a cadeira giratória é a bailarina que acompanha o artista nos seus movimentos corporais numa harmonia perfeita, mesmo sentado, ele dança o batuque, torneando o corpo, cavalgando a guitarra clássica, levando ao rubro o auditório em aplausos ritmados, sincopados, embriagados pela beleza rítmica do som do mestre.
Em silêncio, sedentos, sorvemos o néctar dos acordes da guitarra que, num choro triste e magoado, parece lamentar a «biografia dum crioulo» e depois num despertar festivo, a nossa alma corre aos saltos pela terra agreste ao som do «Sol di Manhã» – aplausos!

2. Paulino Vieira, o poeta – A segunda parte do espectáculo é uma cantata onde o ouvinte se delicia com a harmonia ora do piano, ora da guitarra com a sua voz rouca, por vezes quase um sussurro como se a dor quisesse apagá-lo mas perfeitamente audível no canal silencioso; pode alguém cantar a duas vozes ao mesmo tempo? Claro que não!, mas Paulino Vieira consegue. Ele canta na primeira e na segunda voz, em simultâneo numa sobrenatural e belíssima melodia, a música «M´qria ser Poeta», o hino dos namorados - daí entendemos a razão porque as pessoas dizem que ele é «louco»!
Há uma tendência de colocar a poesia de Paulino em segundo plano face à excelência da sua música mas, do nosso ponto de vista, elas complementam-se: os poemas seriam um desdobramento imediato das sensações e angústias do artista e da sua percepção de mundo e de informações biográficas - a sua vida é explicada através da sua poesia; não tenho dúvidas que as suas obras são também panfletários de uma nova forma de ver o mundo. Por outro lado, Paulino distancia-se intencionalmente das produções musicais que ele mesmo declara, em outros momentos, de «mafiosas» .

3. Paulino Vieira, o filósofo – a entrada no palco do músico faz vibrar o edificio com aplausos e manifestações de carinho – alguns chegam a venerar o artista com arrepios indescritiveis. Só assim se compreende como este senhor, um dia, resolve mudar de atitude e afasta-se das câmaras e dos holofotes, refugiando-se no silêncio, contudo, transforma-se num ídolo admirado por adolescentes, jovens e adultos.
Paulino é a figura de consenso no mundo musical, admirado por todos mas ao mesmo tempo uma figura controversa numa falange dos actores da arte pela sua postura.
Não tenho dúvidas que Paulino é o Diógenes dos dias de hoje. Como o filósofo de Sínope com a sua lanterna em pleno meio-dia, Paulino procura com a sua guitarra «o homem», na sua verdadeira dimensão da palavra, que seja honesto, integro e preocupado com os problemas da humanidade; entre uma música e outra vai semeando a sua «doutrina». Para melhor ilustrar a filosofia de vida do mestre Paulino, recorro uma vez mais a um episódio na vida de Diógenes: reza a história que certa vez Aristipo que vivia confortavelmente bajulando o rei, ao ver Diógenes preparando um prato de lentilhas, disse-lhe, «se você aprendesse a adular o rei não precisaria dessa comida de pobres». Diógenes respondeu-lhe com desprezo, «E se você tivesse aprendido a comer lentilhas não precisava bajular o rei!»

Evel Rocha
Ildo0836@gmail.com

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